22/08/2023
Cotidiano

National Geographic destaca luta no campo em Prudentópolis

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* Da Redação

A National Geographic Brasil trás em sua ultima edição uma matéria especial sobre a colonização e a luta para a manutenção e sobrevivência no campo dos agricultores em Prudentópolis.

Confira, na íntegra, a publicação da National:

Eu luto com erva, com criação, com lavoura de milho”, conta Rafael Zakalugem, de 71 anos, ao se referir à série de atividades que desenvolve em sua propriedade em Papanduva de Baixo, uma comunidade rural a 25 quilômetros do Centro de Prudentópolis. Dentro de um barracão de madeira que funciona como estufa, o barbaquá, ele revira com uma forquilha folhas verdes de erva-mate esparramadas por um estrado vazado. Pelo chão, sobe a fumaça que seca as folhas. “É esse gostinho de defumado que a turma gosta no chimarrão”, diz.

Eis um dos traços evidentes do povo ucraniano. Dos protestos do movimento nacionalista Euromaïdan, na Praça da Independência de Kiev, em 2013, às atividades diárias de seu Rafael, a vontade de lutar une o Velho ao Novo Mundo – da Ucrânia histórica ao Brasil dos imigrantes.

A maior colônia ucraniana no Brasil, em Prudentópolis, surgiu assim: fruto de um esforço de 1 600 famílias que, de 1891 a 1909, começaram a chegar ao interior do Paraná. Os pioneiros encontraram ali matas de um estranho pinheiro, com copas altas que se intercalavam a outras de folhas pequenas adaptadas para suportar o inverno frio dos planaltos. Essas curiosas árvores derrubavam bolas de sementes, o pinhão, que tanto os animais quanto os antigos habitantes da região – os caboclos – apreciavam como alimento.

O Paraná era então uma terra pouco habitada. Os vastos campos mistos com matas de araucáriapertenciam a fazendeiros que pouco controlavam suas propriedades. Posseiros e antigos agregados se espalhavam em busca de sobrevivência após a decadência do tropeirismo, sob constante ameaça de anexação aos vizinhos castelhanos.

Os ucranianos, e outros eslavos, chegaram ao Brasil como estratégia política de ocupação daqueles territórios quase isolados da jovem república. “Os pioneiros fugiam da miséria e do poderio político dos poloneses e austro-húngaros. Quando chegaram aqui, uma das primeiras coisas que pediram em cartas foram padres e freiras”, diz Meroslava Krevei, responsável pelo Museu do Milênio, que mantém, na cidade, uma coleção de ferramentas, fotografias e objetos desse período.

Aos poucos, a interação dos europeus com os brasileiros de origem cabocla fez surgir uma organização nova, de uso coletivo da terra, que resultaria, mais de 120 anos depois, em propriedades como a de Rafael Zakalugem: os faxinais.

Essas comunidades surgiram de um choque cultural. Na época, os caboclos cercavam suas lavouras e coletavam a erva-mate na floresta, onde seus rebanhos circulavam livres. Os imigrantes faziam o oposto: plantavam sem cercas e prendiam os animais como faziam na Europa. Por isso, seus cultivos eram atacados pelos animais soltos dos brasileiros. Após muitos conflitos, acordos comunitários estabeleceram grandes áreas comuns de criadouros, que, cercadas, mantinham os animais longe das lavouras, mas com acesso à mata. Ali, eles faziam uma espécie de “faxina” ao se alimentar de capim e outros arbustos, o que favoreceu o desenvolvimento dos ervais nativos, um dos mais importantes produtos daquele período. Daí o nome “faxinal”, dado aos bosques dessa região e ao sistema de organização da terra que ultrapassava a propriedade privada.

Com a modernização da agricultura, contudo, o espaço da produção agrícola familiar vem sendo reduzido ano a ano. O feijão-preto, antes principal cultivo, perde espaço para o tabaco, cujo valor econômico é maior mesmo utilizando porções bem menores de terra. Da mesma forma, a atual legislação sanitária impede que suínos, ovinos e caprinos soltos nas zonas de criadouro comum sejam comercializados.

O cerco econômico obriga muitas famílias a vender suas terras para grandes produtores, que substituem as áreas de criação comum e de policultura alimentar por lavouras mecanizadas. Segundo dados do último levantamento do Instituto Ambiental do Paraná, de 2004, na década de 1990 existiam 152 faxinais no estado do Paraná. No ano da pesquisa, esse número caiu para 44.

Uma velha carroça com rodas de madeira sobe e desce morros lamacentos onde, provavelmente, muitas camionetes atolariam. Os fortes cavalos de raça bretã de João Maistrovicz puxam o veículo de madeira que range enquanto atravessa um bosque. Os filhos Tarcísio e Élio acompanham o pai até um campo que irão preparar para o plantio de feijão. Ali, na comunidade de Jesuíno Marcondes, a família planta também fumo, milho e verduras. Tarcísio é um dos principais líderes na luta pela manutenção do modo de vida faxinalense. “Nosso objetivo é brigar por políticas públicas e recuperar o território que foi perdido nas últimas décadas.” A principal demanda é a inclusão de outros faxinais no que ficou conhecido como Áreas Regulamentadas de Uso Especial, as Aresurs. Por uma lei estadual de 1997, as comunidades assim reconhecidas recebem incentivos do governo para manutenção e proteção do sistema de faxinais.

Cristina Esteche

Jornalista

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