22/08/2023

Vida de escrivinhador

Andava na crise do escrivinhador que pensa, pensa, e não escreve. A Cristina, editora da Rede Sul, já fez trocentas ameaças de tirar este blog do ar, acometido que estava de letargia mental. Tenho lá minhas razões, principalmente físicas. No Senadinho, eu teria liberdade para dizer: amigos, não inventaram Viagra para escritores; tenho que continuar escrevendo com os dedos e isso me acarreta contínuas lesões por esforço repetitivo, a temida LER. Em vez de ler, ficamos com LER. Incrível com elas andam de mãos dadas…

Cultivei o (por vezes nefasto) hábito de escrever, escrever e escrever. Por exemplo: enquanto estava escrevendo um livro, estava eu, concomitantemente, marquetando em campanhas políticas, fazendo roteiro para cinema, coluna em blog, administrando redes sociais, atuando como “ghost writer”. Quando me dei conta de uma lesão na coluna, que mal conseguia levantar o braço e articular a mão para dedilhar essas mal traçadas linhas, tive aquela sensação de deprê, de fim de linha. Poeira sacudida, cá estou eu, vela içada e barco aproado.

Além da literatura, adoro arquitetura. Um escultor foi me visitar e confidenciou: “Essa casa é parecida com o dono.” Quando quis saber o motivo, ele respondeu: “É muito louca.” Fiz o desenho (qualificar de projeto seria demais), administrei toda a construção e, quando pude, fiz com meus próprios punhos. Usei madeira de construções antigas, reciclada na plaina e na lixa; algumas, ficaram rústicas, com as marcas dos anos que deixaram de ser árvores para serem pilares, linhas mestras, sustentáculos de vidas. Por fora, tijolo à vista que comprei direto das olarias. Todo esse cuidado, por um bom motivo. Queria reduzir custo e sair um pouco da “nóia” de escritor.

Trabalhar com os opostos é uma alternativa viável. É o princípio da homeopatia tradicional, a que chamam de “homeopatia filosófica”. Você frente a frente com o mal que o acomete, para resolução do problema por você mesmo. É um tanto punk, mas funciona. E lembrar que até alguns atrás a homeopatia era considerada placebo pela medicina convencional…

Nesta reestréia da coluna, estava preparado para contar uma história curiosa que aconteceu em Guarapuava. Dois jovens que se fingiram de repórteres para receber o autógrafo de músicos da Banda Mais Bonita da Cidade. E conseguiram, com exclusividade. Vou deixar para outro dia. Tentei entrar direto neste tema, só que havia uma força maior. Precisava falar mais de mim do que dos outros. Os leitores certamente têm esses dias e saberão me perdoar. O lado bom é que saímos da liturgia dos textos formatados, para um “q” de sentimentalidade, mais informal. Confesso que prefiro artigos com esse estilo a elucubrações acadêmicas, mais esta aparente parcialidade que no fundo constitui um indutor à reflexão, ao ato de você, leitor, identificar-se com o que está lendo.

Escrever é, por que não, identificar-se com si mesmo. O que pode soar como redundância, ganha nuances se considerarmos que na grande maioria dos casos, nós, jornalistas, escrevemos para os outros. Escrever para os outros, escrevendo sobre si mesmo, é uma arte que ícones como Martha Medeiros e Rubem Alves, para ficarmos entre os tupiniquins, dominam com maestria. Eles traduzem sentimentos nos outros falando dos seus próprios. Pouco importa se vivenciam essas experiências. Se levarmos em conta que a projeção mental é concreta, ela existe, é fato que deixa de ser uma mera projeção para fazer parte do cotidiano de quem a projeta. Transformada em livro, ou num artigo, como este, a transição do surreal para o real se complementa, palpável, palatável, polêmico, sórdido, ignorável.

Por preferência de condução da escrita, identifico-me mais com o escritor cubano Cabreira Infante e o brasileiro Domingos Pellegrini, notadamente em seus testemunhos sobre Paulo Leminski. Leio uma ou duas páginas desses autores e fico dias na imersão do pensamento, embevecido por fio condutor que me une a sensações da literatura livre, anti-conceitual, o Leminski rompendo as barreiras do quadrado para ser hexágono, inexato, exagerado, o Cazuza do tempo que não para.

Estou voltando a escrever não sei exatamente sobre o que, sobre quem, desapegado. Quiçá, uma chama de liberdade que se amplia. Venham comigo!

Cristina Esteche

Jornalista

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