22/08/2023

A desconfiança está solta

Nas últimas semanas tenho emitido juízo sobre o estado da educação pública no Paraná no pós-tentativa do pacotaço Richa. Neste momento, em razão de meu habitat natural e para não ser ingerente à nobre categoria dos Professores da educação básica e educação profissional,  nesta greve sob a chancela da eficiente APP, priorizo a mobilização no Ensino Superior.

A pandemia está solta e muitos apoiadores espontâneos da greve serão testados em suas práticas para o viver ou para o sobreviver neste cenário de sucateamento da educação pública.  A desconfiança está solta, pois todos se olham e se veem o tempo todo.  Parte superior do formulário

O momento exibe o difícil dilema entre vivência e sobrevivência. Existem vários gritos nesta greve, sendo um deles: “quero apenas sobreviver com o mínimo e, na pior das hipóteses respirar em balão de oxigênio para sempre”; um segundo grito que expressa a máxima “quero viver com dignidade, mantendo nossas conquistas, sem favor nem fraude” e, ainda, um terceiro nível de eco: “quero viver uma nova vida, livre dos entulhos do passado e, quem sabe, construir uma educação melhor que esta”.  Estamos ‘avançando’ no quase nada, no razoável ou no quase tudo? 

Dialeticamente reitero que são legítimas as defesas da sobrevivência e até compreensíveis, dado o momento de quase morte que estamos vivendo.  Trata-se de uma reação normal de pessoas normais, lutar para continuar seus espaços, seja como for. Também, reconhece-se como nobre e vanguardista a disposição de ir além e aproveitar as circunstâncias, o espírito de indignação e a fragilidade do Governo para chegar à raiz do problema e executar a peste que nos mata aos poucos, criando um novo jardim.

É sempre bom recuperar dois importantes pressupostos da literatura emancipatória, a saber: “a situação desesperadora da época na qual vivo me enche de esperanças” (K. Marx), querendo dizer com isto que o momento de mudar de vez ‘pode’ residir justamente em momentos considerados aparentemente sem saída; e “o novo nunca aparece de uma vez” (G. Deleuze), sugerindo a interpretação de que a Universidade estava morrendo aos poucos e muitos de  nós acompanhávamos apreensivos esta morte em suaves capítulos sem um agir objetivo.

Para os mais ousados é exatamente em situações ‘aparentemente’ sem saída que tem-se a chance de livrar-nos de entulhos de um tempo semi-morto.

Evidente que as declarações do Governo foram recebidas com certo ceticismo, expressando a seguinte máxima: “se já colocou em risco uma vez, pode muito bem colocar novamente”, até porque eleição é uma coisa e verdade é outra.   Todavia, muitos estão ainda processando e considerando tudo isto.

Objetivamente o que deve ser ponderado é: de posse de uma enfermidade curável você prefere ‘radicalizar’ e testar um remédio novo que pode curar de vez sua chaga e, na pior das hipóteses, senão curar completamente, mantê-la em condições controláveis ou, ‘amistosamente’, optar por um analgésico comum que ‘pode’ promover a manutenção do status quo sofrível com potencialidade de assegurar a vida por períodos em condições dependentes?

Lembrando a fábula de Monteiro Lobato, ‘A Assembleia dos Ratos’, colocar o guizo no pescoço do ‘Gato’ foi apenas o começo de uma grande batalha. Ao assumir publicamente que as IES corriam contra o relógio para não fechar suas portas, nossos dirigentes colocaram o guizo no pescoço do gato em ação elogiável.   Daí em diante, a adesão à causa e às razões da mobilização aconteceu naturalmente por parte da opinião pública e o Governo se viu ‘literalmente’ sem saída e, no desespero, sem qualquer outra alternativa, assinou um bom protocolo de intenções dando um sinal de entrada. Não reconhecer isto é populismo universitário.

É preciso avaliar se o ‘sinal de entrada’ resolve o problema como um todo da mesma forma que é também preciso avaliar com critério o ‘teor do protocolo de intenções’ ,  o ‘histórico do devedor’ e o ‘momento nacional que vivemos’.

Pode-se dizer que os dirigentes universitários agiram, bem articulados e responsáveis, em defesa da sobrevivência das Universidades e obtiveram um quase resultado razoável, ficando a pergunta: é isto o que se quer ?

É assim que o atual estágio do imbróglio desta greve universitária me faz trazer à tona algumas categorias Nietzschianas, em uma espécie de ‘livre pensar’: “não seria hora de um passar a limpo e tirar a prova dos nove ou é melhor, diante do quadro caótico e incerto, sobreviver como comuns”?

Seja qual for a decisão maior a ser confirmada por todos, deve-se colocá-la no tribunal de uma consciência coletiva e não apenas em apetites particulares.

Tem alguma saída ou devemos viver em situação constante de crise? É o melhor momento para radicalizar?  Existe possibilidade de um novo viver universitário?  Costumo dizer que neste meio universitário temos aqueles que fazem permanentemente ‘um elogio ao naufrágio e ao caos’, assim como temos aqueles que fazem ‘um elogio ao resgate’, ao recuperar-se e prosseguir.

Em “O olho da Universidade’, Derrida escreveu que a Universidade contemporânea, inspirada em Humboldt  ‘foi uma ideia genial, não sem conflito, não sem contradição, mas, talvez, justamente graças ao conflito, e ao ritmo de suas contradições um grande universo de ideias pró-ativo.’ Antes de partir, em uma auto-crítica escreveu: ‘nos sentimos mal nela (a Universidade), e quem ousaria dizer o contrário? E aqueles que se sentem bem talvez ocultem algo, aos outros e a si próprios’. Ora, o quadro conflituoso continua ‘por aqui’ em um binarismo em que ‘estes’ querem impor ‘àqueles’ o mesmo pensamento, enquanto ‘aqueles’ querem que ‘estes’ sigam a mesma cartilha. Ora, a Universidade nasceu como o ninho das diferenças e do respeito ao pensamento alheio. Se queremos um espaço assim precisamos convencer e não exigir.

O ideal seria a manutenção da resistência, mas antes deste veredicto integral precisamos ter claro algumas coisas aparentemente invisíveis como  "o grau de unidade, o grau de apoio da opinião pública, o grau da justa reivindicação, o grau de nossa imunidade e a intensidade de nosso fôlego." Ao respondermos isto com sinceridade, teremos boas respostas para consolidar o que está posto.

 

 

Cristina Esteche

Jornalista

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