22/08/2023

A plaquinha do prefeito

Guarapuava – Por Marcio Fernandes *

Depois de três anos como morador de Guarapuava, finalmente vi uma plaquinha indicando “Prefeitura em obras”. Na noite de sexta passada (18), ao cruzar pela região da Rodoviária local, vi a sinalização. Até andaime havia, embora não tenha sido possível identificar exatamente qual obra ali estava ocorrendo. Também por estes dias, li na Imprensa da cidade uma declaração de alguém do Executivo Municipal indicando que a cidade estava em obras. Bom, ainda estou para descobrir onde elas, de fato, estão ocorrendo, exceção feita à grama, que vi sendo cortada em um canteiro de uma avenida central. Rotineiramente, vou ao trabalho, levo meu filho à escola, frequento restaurantes e passo pelo supermercado, entre outros atos e, salvo uma ridícula operação tapa-buracos em uma rua próxima à da minha casa, mais não deu para ver. Aliás, nesta via (a rua Generoso de Paula Bastos, no bairro Santa Cruz), ao longo de duas quadras, 10 buracos foram cobertos há pouco, enquanto outros 28 continuam escancarados.
Sinceramente, embora tenha observado a zona urbana com mais atenção ultimamente, não tem sido possível perceber a extensão dos braços da Prefeitura atuando. Melhor dizendo: esta semana, notei agentes de trânsito do Município multando motoristas pelo centro. Quase que inacreditavelmente, os buracos nas vias estão por toda parte e têm se transformado em assunto que vai além dos limites de Guarapuava. Pouco antes de escrever estas linhas, também saiu na Imprensa que cinco equipes estão trabalhando no asfalto de alguns bairros. Qualquer leigo que olhar as fotos que acompanham os textos vai notar que, em breve, as panelas estarão outra vez à vista de todos, pela baixa qualidade do serviço de recuperação.
Existe, claro, a possibilidade de que seja minha visão curta que tem me impedido de descobrir as estratégias administrativas do Executivo local para melhorar a cidade. Penso que devo me esforçar mais, especialmente para entender as razões de tanta deterioração das calçadas e da existência de centenas de terrenos mal cuidados, sem cercas ou muros e sem que seus proprietários sejam autuados. Tempos atrás, liguei na Surg, a suposta responsável pela fiscalização das calçadas, segundo a Assessoria de Imprensa da Prefeitura. Tentei agendar visita ao presidente do órgão. A secretária do sujeito informou que ele não marca visitas e que, se eu der sorte, consigo encontrar ele quando lá for, pois o mesmo costumar vistoriar bastante a cidade. Tem mais: minha sorte só poderá se manifestar depois das 14h, horário em que há chance de que ele esteja na Surg, ainda conforme declaração da secretária. Sujeito estranho este presidente, enfim.
Talvez o mesmo possa ser dito do prefeito. Antes da tragédia que se instalou em sua família meses atrás, com frequência eu almoçava nos restaurantes em que ele ia. Era interessante notar que, costumeiramente, ele entrava um pouco cabisbaixo e calado mas com um olhar indicando “vejam, sou o prefeito, venham me cumprimentar”. Para sua infelicidade, poucos acolhiam sua intenção. E, a cada vez que o via, ficava me perguntando se ele estava circulando pela cidade a bordo de um veículo oficial ou com seu carro particular, expondo-o aos buracos e solavancos. E, não raro, vinham-me à mente um personagem interpretado por Jack Nicholson, no filme Melhor É Impossível, que pulava certas partes das calçadas. Enquanto fazia minha refeição, ficava especulando mentalmente que talvez o prefeito somente se locomovesse pelas poucas ruas sem buracos de Guarapuava, como aquelas que circundam o prédio central da Prefeitura, onde ele despacha regularmente.
E, por falar na sede do Paço Municipal, ali também trabalham diariamente as equipes do Procon e da Procuradoria Jurídica. No ano passado, procurei o Procon, para um processo reclamatório contra um estabelecimento imobiliário de Guarapuava. Nove meses depois, recebi uma resposta lacônica de um punhado de linhas, pouco esclarecedora e sem a devida argumentação técnica. Enviei uma carta ao responsável geral pelo Procon, o procurador do Município. Dois meses transcorreram e nada de retorno do indivíduo. Tantas peculiaridades acabam por provocar a lembrança daqueles versos de Renato Russo, que diziam “festa estranha com gente esquisita”.
Mas, enfim, tudo isso pode ser fruto de devaneios meus, quase pesadelos. Em vez de aguardar que a Prefeitura aplique direito parte da sua arrecadação na melhoria e conservação das vias urbanas e calçadas, talvez eu deva ser mais cidadão e estimular, por exemplo, a criação de uma associação de moradores do meu bairro. Assim, poderei me livrar dos tais eventuais pesadelos, tal qual o prefeito que, ao final de cada dia, crê que pode ir dormir o sono dos justos, já que, se começar a sonhar que Guarapuava está esburacada, a ele bastará acordar e dar um pulinho na Rodoviária, onde poderá sentir orgulho de sua plaquinha.

* Morador de Guarapuava

Cristina Esteche

Jornalista

Relacionadas

Este post não possui termos na taxonomia personalizada.

A missão da RSN é produzir informações e análises jornalísticas com credibilidade, transparência, qualidade e rapidez, seguindo princípios editoriais de independência, senso crítico, pluralismo e apartidarismo. Além disso, busca contribuir para fortalecer a democracia e conscientizar a cidadania.

Pular para o conteúdo