22/08/2023

Como fera ferida

O confronto entre a Polícia Militar e manifestantes que ocuparam pela segunda vez, neste ano, a Praça Nossa Senhora Salete, no Centro Cívico, em Curitiba, manchou o direito da liberdade de expressão, da cidadania, da democracia. O Paraná começou o ano marcado nacionalmente pela truculência. Não me refiro aqui a nenhuma categoria ou classe política, mas ao todo. Se por um lado o Governo tentou solucionar um problema de caixa, mexendo num fundo previdenciário que dava certo, para transformá-lo num fundo de pensão, de outro, professores e outras categorias de servidores públicos do Estado lutaram com “unhas e dentes” para proteger o que lhe é de direito. Numa guerra, porém, há perdedores e embora, sendo a maioria, o funcionalismo perdeu. Foram milhares de pessoas que deram o sangue, literalmente, mas que acabaram sendo derrotados pela força de 31 votos. O Governo ganhou, mesmo sendo à fórceps, mas será que saiu vitorioso mesmo? E as perdas, o desgaste político que começou já em fevereiro quando o “pacote” polêmico foi encaminhado à Assembleia e que continuou nesta semana? Haverá reparação para a fissura criada entre o Governo e o povo paranaense? E quanto aos deputados que entenderam que o ajuste era necessário e que, por isso, ficaram a favor do governador. É certo que não se deve servir a dois ao mesmo tempo. Mas nessa escolha qual será o prejuízo perante o eleitor? E será mesmo que as pessoas terão a consciência e a lembrança de tudo o que aconteceu daqui a quase três anos e meio? A realidade atual não demonstra isso.

E os estudantes, a preocupação com a educação? Será possível repor as perdas de conhecimento acumuladas nos dias em que ficaram sem aulas?

Nesse cenário, qual interesse está realmente sendo defendido? De professores que vem sendo sacrificados por toda uma vida e que dizem ver o dinheiro da aposentadoria se esvaindo num fundo vulnerável; do Governo que passa a ter um fluxo de caixa que o permitirá, por exemplo, pagar a folha do funcionalismo, incluindo professores e outros funcionários, ainda nesta semana; de alunos que saíram em defesa dos seus mestres para não terem em sala de aulas, professores apáticos, mais desmotivados do que já estão? Ouvi dizer que o fato, pelo lado dos sindicalistas, tinha se transformado em ato político. Mas qual ação não é política? Qual defesa de interesses não se enquadra nessa modalidade, seja ela qual for? E a força bruta colocada para intimidar manifestantes como se fosse uma guerra, dessas que costumamos assistir nos noticiários da tevê? São professores, formadores de opinião, aqueles que orientam os novos profissionais, os novos políticos. São deputados, aqueles que tem o dever de criar leis de interesse popular, de legislar para o povo. Os dois lados se sentiram agredidos, cada um em sua razão. Isso é inegável. Cada um foi à luta com as armas que tinha. Cada parlamentar declarou o seu voto de acordo com a sua convicção. Agradaram? A maioria não. Afinal, não há argumentos que se sobreponham a uma opinião formada, consciente, doa a quem doer. Não há argumentos que convençam uma ideologia, seja ela qual for. Há pessoas que provocam a sangria; há pessoas que sangram por tudo aquilo que acreditam, que agem como se fossem feras feridas. E digo mais: a força só é imposta quando não há argumento, quando se impõe um instinto animalesco de sobrevivência.

Em meio a esse turbilhão, uma coisa é certa. O Paraná, por tudo o que aconteceu e que foi patrocinado pelos dois lados, deu uma aula de como ferir a democracia.

Cristina Esteche

Jornalista

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