22/08/2023
Geral

Exemplo de vida: conheça a história da Lu

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Taís Nichelle

Há pessoas tão abençoadas pelo universo, que emanam luz por onde passam. Luciana Kele Dorini é uma dessas pessoas. Mesmo quem não a conhece pessoalmente, é capaz de sentir a vida que transborda pelos seus poros. Aos 36 anos, ela trabalha como contadora pública e professora universitária. Lu, como ela gosta de ser chamada, tem um hemangioma no rosto (tumor, em geral benigno, formado por capilares dilatados). 

Apesar de chamar atenção por ser algo incomum, depois de conhecer um pouco sobre a Lu, tudo que você vai conseguir enxergar em seu rosto (além dos seus lindos traços, é claro), é uma prova da sua vitória. Por isso, deixo livre os próximos parágrafos para que ela mesma conte a sua história.

"Eu sou a Lu, contadora pública e professora universitária, tenho 36 anos e uma história longa, muito longa, mas muito feliz. Nasci numa madrugada gelada em julho de 1979 na cidade de Pato Branco, sudoeste do Paraná. Fui uma criança saudável e muito amada por toda família. De diferente, eu só tinha uma pintinha no queixo, algo como uma picada de inseto. Aos 8 meses, dei um grande susto em todos, tive um sangramento bastante importante na gengiva o que resultou numa cirurgia de emergência para desespero dos meus pais e do meu irmão.

Desde então, os cuidados comigo aumentaram muito, todos tinham medo que eu machucasse a gengiva e voltasse a sangrar, mas ninguém sabia ao certo qual havia sido o motivador daquela hemorragia. Aos poucos aquela pintinha no queixo começou a ter volume, aos três aninhos já era bastante perceptível e diagnosticado por  hemangioma cavernoso. Passamos  muitos anos em busca de médicos e mais médicos,  porém, todos diziam a mesma coisa: “com o tempo vai desaparecer, não se preocupem”. E se não era pra se preocupar, então a palavra de ordem era vida normal, e foi vida normal mesmo.

Eu não me importava em ter algo diferente, eu me sentia igual e fazia tudo que as minhas amigas faziam… Eu cantava, dançava, desfilava, era uma das melhores alunas do colégio e ainda ajudava no Escritório de Contabilidade do meu pai, pequenos afazeres que me deixavam orgulhosa por ser útil. Fiz primeira comunhão, crisma, sete de setembro. Sempre estive envolvida com todos os eventos… Adorava ler e cantar na igreja, adorava representar, adorava estar entre meus amigos, adorava viver a vida. 

Entrando na adolescência e com o hemangioma bem crescido a questão emocional mudou, nesta fase de transição minha vida ficou um pouco complicada, eu já não me aceitava tão bem com esta diferença, eu já colocava, mentalmente, empecilhos para o meu futuro. Eu achava que os meninos não iriam querer namorar com uma menina como eu, eu achava que eu não era tão bonita como as outras, eu achava que o meu futuro seria triste. Foi então que conhecemos um cirurgião plástico em Curitiba que nos fez acreditar que seria possível a retirada do hemangioma, que ele chamou de carne esponjosa. Disse que com uma cirurgia simples e apenas dois pontinhos no queixo meu problema estaria resolvido. Nossa, uma grande luz brilhou no fim do túnel, minha família e eu ficamos radiantes diante dessa possibilidade, porém quando a cirurgia foi realizada, a primeira cirurgia que eu lembro, o médico descobriu que eu não tinha um hemangioma cavernoso, que não se tratava de “carne esponjosa” mas sim de um tumor vascular.

Desde então, descobrimos que o hemangioma era um emaranhado de vasos sanguíneos e que não poderíamos mais mexer. A cirurgia mal sucedida, a adolescência, os hormônios em ebulição, acho que esse conjunto fez o hemangioma evoluir rapidamente nessa fase, mas nem por isso deixei de aproveitar a minha vida. Continuei com o vôlei, com o trabalho no escritório agora com mais seriedade e sendo uma das melhores alunas do colégio, ah e comecei a namorar também, como todas as outras amigas.

Aos 18 anos, eu fazia faculdade de Ciências Contábeis, o tumor vascular que nessa época era considerado um hemangioma arteriovenoso e não incomodava em situação nenhuma, nas festas, no trabalho, na faculdade, nas viagens eu nem lembrava que tinha algum probleminha. Porém, prestes a me formar tive duas grandes hemorragias na gengiva e fui encaminhada às pressas para Curitiba, pela primeira vez eu pensei que iria morrer. Foi a viagem mais tensa da minha vida, numa ambulância, com uma enfermeira amada ao meu lado, sem comer há muitas horas e vendo o semblante desesperado dos meus pais. 

Chegando ao hospital, conheci a equipe do oncologista e cirurgião de cabeça e pescoço Dr. Lauro, que é um dos meus anjos aqui na terra.  Ele me liberou após uma arteriografia, pois minha formatura estava marcada e eu era a oradora da turma. Ele me disse que esse momento era especial demais para eu perder, porém vim pra casa com o compromisso de voltar para fazer a cirurgia que a equipe viu como necessária para diminuir o risco de outras hemorragias e também o volume do hemangioma. 

Minha formatura foi linda, o discurso feito com todo o carinho, mas minha cabeça estava em outro lugar… Alguns dias depois voltamos à Curitiba para fazer a cirurgia já agendada e na viagem paramos em Guarapuava para fazer o exame de suficiência – prova para obter registro no Conselho de Contabilidade – uma só viagem e duas vitórias, passei no exame e a cirurgia foi um sucesso, foi retirado mais de 70% daquele emaranhado de vasos e após quinze dias eu já estava bailando.

Formada, trabalhando, namorando e aproveitando todas as festas da região, minha vida estava sensacional, porém minha alegria não durou muito, passado um ano, eu estava lavando os cabelos quando de repente abri os olhos e vi sangue por todos os lados, a pele havia se rompido e o que eu via era um jato de sangue. Desespero geral, amigos e vizinhos ajudando, meu irmão veio correndo da cidade onde estava trabalhando e corremos para Curitiba.

Alguns anos mais tarde, depois de vários sangramentos “controláveis”,  fui acometida de uma grande hemorragia na gengiva, e mais uma vez precisamos “voar” para Curitiba. Minha permanência no hospital foi longa, dezessete dias, três cirurgias, três anestesias, muita dor, muito desalento, mas também muito amor, muito companheirismo, muito carinho e muita força que vinham de todos os lados. Recebíamos inúmeras ligações todos os dias de amigos, familiares e também dos meus alunos e a cada ligação, cada gesto me fazia ficar mais forte, mais esperançosa e graças a Deus saí do hospital mais viva do que nunca. Dessa vez foi necessária a extração dos dentes que eram envolvidos pelas veias que formavam o hemangioma, uma situação nova para eu me adaptar. 

Resolvi que mesmo com problemas, que mesmo sem muita coragem, eu não deixaria a vida passar. Fiz minha primeira viagem de avião, conheci o nordeste, conheci o prazer de tirar férias. Pouco tempo depois fiquei sabendo pelo Dr. Lauro, que o Dr. Márcio, o médico que havia sido responsável pela cirurgia endovascular na minha última internação, queria falar comigo. Ele havia descoberto um tratamento que poderia me ajudar e quando cheguei em seu consultório ele me disse: “Não prometo nenhum milagre, só quero melhorar sua qualidade de vida”… 

O tratamento indicado pelo Dr. Márcio era uma sequência de embolizações, com um produto chamado ônyx, que seria inserido nos vasinhos que constituem a minha malformação arteriovenosa, através de um cateter introduzido na virilha. Eu já havia feito várias embolizações, uma antes de cada cirurgia para diminuir a vascularização, porém elas tinham seu efeito temporário, e agora tínhamos a possibilidade de “concretar” as veias permanentemente. 

Mesmo entre lágrimas, a primeira embolização ocorreu na véspera do aniversário do meu irmão, eu tentei dar o seu presente no dia anterior, para garantir que ele receberia pelas minhas mãos, mas ele se recusou. Disse que queria o presente sim, mas no dia do seu aniversário, lá no hospital depois da cirurgia realizada e eu recuperada. E ele recebeu seu presente como queria.

A segunda e terceira embolizações foram na sexta que antecede o dia das mães. Para a quarta embolização, internei um dia depois do meu aniversário. Já para o quinto procedimento, dei entrada no hospital no dia do aniversário dos meus sobrinhos gêmeos. Nenhuma embolização ocorreu em dias normais e acho que isso aconteceu para marcar uma nova fase da minha vida… Cada uma em uma data especial, para lembrar que cada procedimento era um motivo para se festejar. 

A promessa do Dr. Márcio foi cumprida, mesmo com um grau de sofrimento físico e emocional, essas cirurgias endovasculares mudaram a minha vida. Em março desse ano fiz a 5ª embolização em 4 anos, e posso dizer que foram os 4 melhores anos da minha vida.

Depois da primeira embolização, me amei ainda mais e fiz um book fotográfico maravilhoso.

Depois da segunda cirurgia, viajei para Porto de Galinhas, Recife e Fernando de Noronha, realizando um sonho antigo.

Depois do 3º procedimento, resolvi superar alguns medinhos que ainda restavam dentro de mim e atravessar o oceano rumo à Europa na companhia de uma amiga aventureira como eu. Nessa viagem conheci lugares surpreendentes,  revi amigas que moram no meu coração, provei para mim mesma que minha malformação não é obstáculo para nada, e confirmei que a felicidade está ao alcance dos nossos dedos, basta esticar o braço.

Depois da 4ª embolização, fui conhecer João Pessoa e rever amigos que fizemos em Noronha. 

Depois da 5ª embolização, fui para Cuiabá ver um jogo da Liga Mundial de Vôlei Masculino, e acabei conhecendo a sensação de ser tiete.

Há três anos voltei para sala de aula na Faculdade de Pato Branco, continuo como contadora da Câmara Municipal de Mangueirinha, moro com meus pais e sou muito feliz. A segurança e a confiança estão retomando seu lugar e os medos e a ansiedade estão se retirando aos pouquinhos da minha vida. 

Independente dos riscos, independente da assimetria do meu rosto, e mesmo sofrendo com alguns olhares e algumas perguntas descabidas, posso afirmar que essa anomalia vascular não me fez menor que ninguém, e não me fez sofrer com preconceitos… Posso dizer com total certeza que ao contrário, que esse hemangioma só me fez crescer e conhecer pessoas maravilhosas que colorem os meus dias.

Gradativamente, eu consegui entender que nada acontece por acaso, que tudo na vida se explica. Apesar de muitas dores, muitos riscos e muitos medos o sentimento que perdura em meu coração é o amor… O amor próprio, amor pelas pessoas, amor pelas oportunidades. Eu aprendi que para ser feliz não é preciso ter uma vida perfeita, mas sim amar a vida que se tem. 

E para compartilhar o que vivo, o que vivi e o que aprendi da vida, eu criei um blog chamado: “Eu tenho um hemangioma, e daí???”  para tentar ajudar as pessoas que sofrem com problemas semelhantes aos meus, ou pais que sofrem em pensar no futuro dos seus filhos que são portadores de alguma anomalia vascular. Em três meses, o blog já teve mais de 13.500 acessos e para minha surpresa, ele está sendo acompanhado por pessoas que não têm nenhum tipo de problema de saúde. No blog existem informações técnicas, a minha história, detalhada, contada em capítulos e vários artigos que podem ajudar na arte do bem viver".

Acesse e confira:

http://hemangioma-so-um-detalhe.webnode.com/

Cristina Esteche

Jornalista

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