Por Júlia Moura, para a Veja
São Paulo – Quando a primeira Parada do Orgulho LGBT de São Paulo reuniu 2.000 pessoas na Avenida Paulista, em 1997, os homossexuais brasileiros não podiam se casar, adotar filhos ou trocar o nome na cédula de identidade. Em vinte anos, o evento se tornou o maior do mundo – a organização espera reunir até 3 milhões de pessoas na 21ª edição, neste domingo – e Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais (LGBT) brasileiros obtiveram vitórias sociais, políticas e jurídicas significativas. As leis, entretanto, ainda têm muito para avançar.
“Até hoje a homofobia não é crime em todo o Brasil e projetos de lei em defesa desse grupo não saíram do papel. O que temos são decisões favoráveis no Judiciário. No Legislativo, o avanço é zero”, afirma a advogada Maria Berenice Dias, presidente da Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e especialista no tema.
A Parada do Orgulho LGBT de São Paulo foi criada para celebrar a visibilidade e os direitos do grupo. A iniciativa teve início em 1995, quando a Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Interssex fez a sua 17ª conferência no Rio de Janeiro e promoveu uma tímida marcha na praia de Copacabana. No ano seguinte, o engajamento amentou e 500 pessoas se reuniram na praça Roosevelt, em São Paulo, em um protesto a favor dos LGBTs. Em 1997, a Parada tomou corpo e teve sua primeira edição.
Nas duas décadas que nos separam da primeira edição do evento, a popularização da internet, das redes sociais e o fortalecimento de associações de ativismo ajudou a tirar várias bandeiras do movimento LGBT do papel. Em 2005, foi feita a primeira adoção por um casal homossexual no país, em Catanduva, no interior de São Paulo; e, em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a união homoafetiva como uma entidade familiar – ou seja, reconheceu o casamento de indivíduos do mesmo sexo. Contudo, essas decisões ainda não foram transformadas em leis que garantam, efetivamente, os direitos adquiridos.
“Enquanto não estiverem no Código Civil essas decisões não têm o peso e força de lei e ainda podem ser contestadas. Por isso é importante que nossa legislação também avance”, afirma Maria Berenice.
Confira sete vitórias conquistadas pelos LGBTs brasileiros nos últimos vinte anos:
1. CASAMENTO GAY
O comerciante Luiz André, de 37 anos, e o cabeleireiro José Sérgio, de 29 anos, ambos de terno preto, são o primeiro casal gay a obter a certidão de casamento civil no Brasil (Nilton Fukuda/Estadão Conteúdo)
Em maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a união homoafetiva como uma entidade familiar. Em junho, o primeiro casamento civil entre pessoas do mesmo sexo do Brasil foi formalizado em Jacareí, interior de São Paulo.
Dois anos depois, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabeleceu a Resolução 175, proibindo que cartórios de todo o Brasil se recusem a celebrar casamentos de casais homossexuais ou deixem de converter em casamento a união estável homoafetiva, um importante ganho para os LGBT. Desde então, 15.000 uniões homossexuais foram registradas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em março deste ano, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou o projeto de lei que altera o Código Civil para reconhecer a união estável e o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A discussão está, atualmente, no Plenário do Senado Federal.
2. ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS
Adriana Tito Maciel (à esq.), e Munira Khalil El Ourra, posam para foto com o casal de gêmeos Eduardo Khalil Tito e Ana Luiza Khalil Tito, de 1 ano e 8 meses, em Carapicuíba (SP) (Alessandro Shinoda/Folhapress)
A primeira adoção de uma criança por um casal homossexual no Brasil aconteceu em 2005, quando a menina Theodora foi acolhida por Vasco Pedro da Gama e Júnior de Carvalho, em Catanduva, interior de São Paulo. O reconhecimento oficial veio no ano seguinte, quando o nome do casal foi colocado no registro de Theodora. Três anos depois, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mudou o formato da certidão de nascimento do tradicional de “pai e mãe” para “filiação”, o que permite o registro de crianças por casais homossexuais sem constrangimentos.
Em 2015, o STF negou o pedido do Ministério Público do Paraná para anular a adoção de uma criança com menos 12 anos por um casal do mesmo sexo, sob a alegação de que eles não teriam uma união estável. A ação foi determinante para criar jurisprudência permitindo a adoção por homossexuais em território nacional. "Atualmente, a adoção por casais homossexuais não não é proibida, tampouco regulamentada por leis", afirma a advogada Maria Berenice.
3. MUDANÇA DE NOME CIVIL E SOCIAL
A primeira advogada transgênero a subir na tribuna do STF, Gisele Alessandra Schmidt (TV Justiça/Reprodução)
No Brasil, é possível alterar o nome civil e gênero no registro de nascimento se houver a comprovação de mudança cirúrgica de sexo. A possibilidade de alterar os documentos sem a necessidade da cirurgia é uma antiga demanda do movimento LGBT, pois a intervenção é arriscada e o processo de transição demorado. Em maio deste ano, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que um transexual pode mudar o sexo registrado em sua identidade civil sem necessidade de realizar a cirurgia. Há pelo menos duas ações semelhantes tramitando no Supremo Tribunal Federal (STF).
Desde 2016, é permitido o uso do nome social (que não é oficializado na carteira de identidade) em crachás e formulários por funcionários públicos federais, em inscrições do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) e por médicos e advogados ligados ao Conselho Federal de Medicina (CFM) e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
4. ELEIÇÃO DE CANDIDATOS ASSUMIDAMENTE HOMOSSEXUAIS
Clodovil e o deputado federal Jean Wyllys (PSOL) (Sérgio Lima/Dario Oliveira/Folhapress)
Em 2006, o estilista Clodovil Hernandez foi eleito deputado federal por São Paulo, tornando-se o primeiro político assumidamente gay do Brasil. Em 2010, o professor Jean Wyllys ganhou a disputa como deputado federal pelo Rio de Janeiro e se elegeu defendendo a causa LGBT — postura diferente de Clodovil. Em 2017, Edgar de Souza (PSDB), prefeito de Lins, se tornou o primeiro prefeito assumidamente gay casado com outro homem no Brasil.
Para Marcelo Cerqueira, presidente do Grupo Gay da Bahia, a primeira Ong LGBT do país, a presença de políticos homossexuais é positiva e sua atuação um importante avanço em direção à defesa de direitos. Contudo, a participação dos LGBT na política brasileira ainda é tímida, possivelmente "pelo preconceito da sociedade e pela própria descrença da comunidade gay", afirma.
5. CIRURGIA DE MUDANÇA DE SEXO E DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA FEITA PELO SUS
Xande dos Santos, primeiro transexual no Brasil a fazer cirurgia de mudança de sexo paga pelo SUS. (Ênio César/VEJA)
O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece a cirurgia de mudança de redesignação sexual de homem para mulher desde 2008 e de mulher para homem desde 2013. Além dos procedimentos, o SUS também oferta acompanhamento ambulatorial com equipe multiprofissional, incluindo psicólogos, como parte do tratamento. Xande dos Santos foi a primeira brasileira a passar pela operação de mudança de sexo paga pelo SUS, em 2011.
Em 2013, o Conselho Federal de Medicina (CFM) determinou que casais homoafetivos estão incluídos em processos de reprodução assistida, podendo, portanto, realizar fertilização in vitro se desejarem.
6. PRESENÇA NA MÍDIA
A novela 'Amor e Revolução' (SBT/Reprodução)
Em 2011, "Amor e Revolução", novela de horário nobre do SBT transmitiu o primeiro beijo gay da televisão brasileira. Já o primeiro beijo gay em novelas da rede Globo foi ao ar em 2014, na novela "Amor à Vida" e a emissora exibiu, em 2016, a primeira cena de sexo gay em uma emissora aberta, na novela “Liberdade, Liberdade”. No mesmo ano, a cantora drag queen Pabllo Vittar encabeçou a campanha publicitária da Avon de maquiagem para mulheres. Segundo Toni Rei, da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), a presença de LGBT nos meios de comunicação é fundamental, pois dá visibilidade ao grupo e pode colaborar para inibir estigmas sociais. "É importante ver que os LGBT não são 'de outro mundo', mas fazem parte da nossa sociedade e são cidadãos como quaisquer outros", afirma.
7. PARADAS DO ORGULHO LGBT
São Paulo tem a maior parada de celebração LGBT do mundo, segundo o Guinness Book, o livro dos recordes. De acordo com o último registro do livro, o recorde foi atingido na edição de 2006, que teve 2,5 milhões de participantes, de acordo com a Polícia Militar. O evento se alastrou pelo país e Rio de Janeiro, Porto Alegre e outras 23 cidades brasileiras também sediam paradas anuais em celebração do orgulho LGBT. Segundo os organizadores, o evento é importante para dar visibilidade e lutar pelos direitos do grupo no país. Para 2017, a 21ª edição do evento, os organizadores esperam a participação de até 3 milhões de pessoas.