22/08/2023
Blog da Cris

A cor que a cidade insiste em não ver!

Para alguns, o dia começa com o direito de ser anônimo. Para outros, com o dever silencioso de provar, a cada esquina, que não são ameaça

Foto (reprodução: Freepik)

A cidade amanhece sempre igual. Mas não para todo mundo.
Para alguns, o dia começa com o direito de ser anônimo. Para outros, com o dever silencioso de provar, a cada esquina, que não são ameaça. É curioso como a luz da manhã, tão democrática em teoria, escurece para uns e ilumina para outros.

Nas calçadas, onde a pressa disfarça nossas desigualdades, a cor da pele segue sendo um documento não escrito, mas severamente exigido. É a senha que abre portas para uns e tranca cadeados para outros. No transporte público, no olhar desconfiado do segurança, no atendimento frio da loja, no julgamento imediato que antecede qualquer palavra.

E, ainda assim, fingimos surpresa diante das estatísticas.
“Sério? Ainda existe racismo?”, perguntam, como se fosse um fantasma tímido, restrito a livros de história. Não, o racismo não é espectro. É concreto. Tijolo. Política pública e ausência dela. É ausência nas telas, nas mesas de decisão, nos discursos oficiais que evitam o assunto como quem desvia de um espelho. Nos entraves políticos; nas agressões na rua.

A exclusão, essa velha conhecida, veste novas roupas. Fala em meritocracia como quem oferece uma corrida justa enquanto ajusta os cadarços de uns e amarra os de outros. E a violência… bem, a violência dispensa metáforas. Ela está nos números, nas mães que enterram filhos jovens demais, nas narrativas que transformam vítimas em suspeitos, sempre atravessadas pela mesma cor: a cor que o país aprendeu a temer porque aprendeu a desumanizar.

RESISTÊNCIA

Mas há resistência.
Há vozes que não aceitam mais o silêncio imposto. Há movimentos que desconstroem a lógica confortável dos que acreditam que privilégio é apenas esforço. Há narradores que reivindicam a própria história, sem pedir licença. E, talvez, seja exatamente esse o motivo do incômodo: quando quem sempre foi calado resolve falar, quem sempre falou precisa ouvir. E ouvir cansa mais do que admitir.

A mudança não virá da neutralidade, essa fantasia conveniente.
A mudança virá do desconforto. Do reconhecimento honesto de que a cor da pele jamais deveria determinar a cor do futuro de ninguém. Virá quando entendermos que combater o racismo não é militância. É dever civilizatório.

Até lá, a cidade seguirá amanhecendo igual. Nós é que precisamos aprender a enxergar.

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Cristina Esteche

Jornalista

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