22/08/2023


Cotidiano Guarapuava

A Páscoa sempre despertou respeito e imaginação de um menino católico

Em casa não se comia carne, meu pai não deixava fazer barulho, nem ouvir rádio. E eu fazia desenhos e espalhava pela casa na espera da páscoa

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Eu fazia desenhos e espalhava pela casa na semana santa (Foto: Reprodução/Pixabay)

A Páscoa é a data mais importante para os cristãos, para a Igreja. Traz a promessa da ressureição de Cristo após a morte na cruz. A promessa se confirma: Deus Pai enviou o Filho para morrer e salvar a humanidade dos pecados. Mas para uma criança de 6 anos, a Páscoa tinha ainda outros significados. Nascido em uma família tradicional católica, eu vivi entre as tradições da Igreja e as tradições humanas, momentos que jamais serão esquecidos.

Em casa, Semana Santa era coisa muito séria. Assim, na Quarta-Feira de Cinzas que abre a quaresma e na Sexta-Feira Santa, que antecede a festa da Páscoa, não se via à mesa nenhum prato com carne vermelha. O jejum marcava o início do período de penitência. Minha mãe fazia sardinha, bacalhau, peixe, salada, ovo e batata frita. Além disso, durante a quaresma, meus pais diziam que o diabo estava solto. E que era preciso redobrar os cuidados com o mal.

SEXTA-FEIRA SANTA

Na Sexta da Paixão então, as restrições eram ainda maiores. Nada de carne nas refeições. Meu pai dizia: “Hoje é um dia de respeito, de silêncio. Não é dia de fazer barulho, nem de limpar a casa. Jesus Cristo morreu por nós”. O feriado usado por muitos para viajar, também não entrava na programação. “Hoje não é dia de viajar”, dizia meu pai. Além disso, em casa nada de música. O rádio ficava desligado e a TV apenas com som baixinho. E claro, na programação o destaque ficava com filmes religiosos, que tratavam da saga da morte e ressureição de Cristo.

No almoço e no jantar, a recomendação era para comer pouco. Eu me lembro que todas as Sextas-Feiras Santas eram tristes, melancólicas, silenciosas. Parece que a natureza parava. Ouvia-se a respiração do corpo e até das árvores. E tinha Hora Santa na igreja matriz, com celebração às 15h, momento em que Cristo suspirou e entregou o corpo e a alma para o Pai no calvário.

OUTRAS TRADIÇÕES

Mas outra memória que eu tenho viva é a preparação das tradições humanas. No começo da Semana Santa, eu começava a desenhar coelhos e ovos de páscoa em folhas de sulfite. Pintava com giz de cera e lápis de cor. Depois de prontos, colava com rolinhos de ‘durex’ nas paredes da casa inteira, nas portas e no meu quarto. Era a preparação lúdica de uma criança para a chegada da Páscoa.

Ninguém me impedia de fazer isso, nem criticava. Eu era apenas um menino de 6 anos. E tinha na memória criada pela publicidade daquela época, a imagem comercial do coelhinho de páscoa – animal que não bota ovo -, e o ovo de chocolate. Dois símbolos comerciais da Páscoa. Não havia brincadeiras do tipo encontrar pegadinhas do coelho pela casa, a caça ao ovo, etc. Então essa era a forma que eu tive de brincar com a data. A casa precisava ficar bonita, colorida.

SÁBADO DE ALELUIA

Mas as emoções não param por aí. Tinha o Sábado de Aleluia. Data que antecedia a ressureição de Jesus e que trazia novamente a alegria dentro de casa. Começavam os preparativos para a festa do Domingo de Páscoa. Além disso, à noite tinha Vigília Pascal na paróquia de Santa Bárbara d’Oeste. E lá estaríamos eu, meu irmão e meus pais.

Mas antes, pela manhã e à tarde, uma tradição trazia diversão para a criançada: a malhação de Judas. O mastro de madeira com sebo, trazia no alto um boneco que lembrava o traidor de Cristo. E quem conseguisse subir até alcança-lo, sempre ganhava algo. Ovos de chocolate, dinheiro, brinquedos. Depois o boneco era destruído e até queimado. Era comum encontrar a criançada reunida em terrenos fazendo a malhação de Judas.

OVO DE CHOCOLATE

Mas o sábado trazia também a curiosidade do ovo de chocolate. O que será que ele trazia lá dentro? Sempre era algo que mexia com a minha imaginação. Contudo, meu pai comprava e guardava. E dizia que só poderíamos abrir no Domingo de Páscoa. Quanta ansiedade! Numa das páscoas de minha infância, ele comprou um ovo gigante, aqueles número zero da Pan, que pesava uns 3 ou 4 quilos.

E a minha curiosidade, me condenou. Na tarde do Sábado de Aleluia, eu peguei o ovo que estava guardado no armário. Queria balançar pra ver o que tinha dentro. Mas não deu certo. Em determinado momento, ele escorregou de minhas pequenas mãos e caiu no chão. Só percebi que ele ficou em pé, ou seja, a base tinha sido quebrada em muitos pedaços.

Mas ao ouvir o barulho meus pais vieram até mim. E claro, levei a maior bronca. “Agora vai comer ovo quebrado na páscoa, amanhã”. E assim, se confirmou. O almoço de páscoa foi festivo como sempre, e teve ovo quebrado. Mas a magia da Páscoa não se perdeu. Como era gostoso viver tudo isso naquela época. E a sua Páscoa, como era?

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Gilson Boschiero

Jornalista

Possui graduação em Jornalismo, pela Universidade Metodista de Piracicaba (1996). Mestre em Geografia pela Unicentro/PR. Tem experiência de 28 anos na área de Comunicação, com ênfase em telejornalismo e edição. Foi repórter, editor e apresentador de telejornais da TV Cultura, CNT, TV Gazeta/SP, SBT/SP, BandNews, Rede Amazônica, TV Diário, TV Vanguarda e RPC. De 2015 a 2018 foi professor colaborador do Departamento de Comunicação Social da Unicentro - Universidade do Centro-Oeste do Paraná. Em fevereiro de 2019, passou a ser o editor chefe do Portal RSN.

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