22/08/2023

A Visita Cruel do Tempo

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Obra surrealista ‘A Persistência da Memória’, do pintor Salvador Dalí. A imagem seria uma metáfora da liquidez do tempo.

Costumo dizer que precisaria de no mínimo umas 3 vidas bem longas para ler tudo o que quero e conseguir reler o que acho que vale a pena. Reler um livro é validá-lo como importante, portanto direi que:

Tu te tornas eternamente responsável pelo livro que relês 😉

Li pela primeira vez A Visita Cruel do Tempo, da norte-americana Jennifer Egan em 2012, mas o livro conseguiu manter um grato sabor de novidade, especialmente nas citações musicais: como o livro gira em torno de um executivo da indústria musical chamado Bennie Salazar, é recheado de referências musicais, o que o torna um daqueles ‘livros com trilha sonora’ [a biografia do Keith Richards também foi assim!].

A autora explora nuances de um enredo tão bem amarrado que as histórias nunca se chocam: elas se entrelaçam; cheias de detalhes físicos, sinais sonoros, cheiros imprecisos e sentimentos embaralhados, passeando por vários cenários, como as cidades de São Francisco, Nápoles e Nova York, num caleidoscópio entre o passado e as projeções de  um futuro próximo, com novidades bem interessantes na forma da construção do texto – um dos capítulos é narrado de forma gráfica, como se fosse uma apresentação de Power Point! Além disso, reflexões pertinentes pontuam o livro todo:

‘Parte de você está a alguns metros de distância, ou alguns metros acima, pensando: meu Deus, eles vão perdoar você, não vão abandonar você, e a pergunta é: qual dos dois é realmente “você”, o que está dizendo e fazendo essas coisas ou o que está observando?’

A sensação é de que o tempo talvez seja a única coisa a nivelar a todos nós de forma absolutamente imparcial. Não há saída: ele passa rápido como um trem desgovernado que um dia vai parar de repente.

Ps1: Durante a leitura lembrei que para a mitologia grega o tempo é regido por dois arquétipos: Chronos, um titã cruel que desbancou seu pai, Urano, para assumir o comando dos céus – e passou a devorar seus filhos assim que nasciam para não correr o risco de ser destronado por eles. Chronos representa o inexorável tempo linear, medido pelo calendário e pelo relógio.

A outra representação do tempo é feita por Kairós, que simboliza ‘o momento oportuno’, através de figura de um jovem com uma única mecha de cabelo na testa e asas nas costas e nos pés, demonstrando que as oportunidades voam diante de nós, mas é preciso agarrá-las de frente, não sendo possível trazê-las de volta depois que passarem.

Ps2: Uma das músicas que fazem parte da tal trilha sonora que eu falei:

https://www.youtube.com/watch?v=_PVjcIO4MT4

 

 

 

 

Cristina Esteche

Jornalista

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