22/08/2023
Cotidiano

Adolescente foge com amiga e retorna dois dias depois; mãe reclama da falta de ajuda por parte dos órgãos competentes

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Guarapuava – O relato de uma mãe suscitou a discussão sobre como deve ser o relacionamento entre pais e filhos adolescentes e qual a responsabilidade de órgãos como a polícia e o Conselho Tutelar.O psicólogo Silvio Ortiz (foto) explica como os pais devem tratar os filhos na complexidade da adolescência.
No dia 22 de janeiro a filha de 14 anos de Geci Bernadete Trevisan fugiu de casa com uma amiga, deixando a mãe desesperada. O motivo seria o pedido de Geci para que a filha se afastasse da amiga. Revoltada, a adolescente saiu de casa com a amiga e só voltou na tarde de sábado.
O conflito familiar começou no dia anterior à fuga, quando a menina foi até o centro com a mãe. “Eu fui consultar e minha filha ficou com uma amiga, disseram que iria ficar no centro, mas não foi o que fizeram. Elas pegaram o ônibus e foram até Prudentópolis. Por volta das 18 horas eu liguei e ela não me disse onde estava. Só às 21 horas ela ligou e pediu que eu fosse buscá-la perto da rodoviária”, conta Geci. Segundo a mãe, em função desse acontecimento acabou proibindo o relacionamento entre as meninas.
No dia seguinte, a filha de Geci pegou R$ 27 e saiu de casa às 15 horas, durante a ausência da mãe, deixando uma carta. Escreveu que amava a família, mas que só voltaria quando sua amizade fosse novamente permitida. “Procuramos por ela o dia todo, gastei um tanque de gasolina e todos os créditos do celular e nada”, lembra.
Ainda na quinta-feira, Geci resolveu entrar em contato com a Polícia Militar. “Eles me disseram que não podiam fazer nada, pois era menor de idade e não se tratava de uma pessoa violenta ou viciada, e que eu deveria recorrer ao Conselho Tutelar. Obtive a mesma resposta, e que só poderiam fazer alguma coisa se soubessem o endereço onde as duas se encontravam”, fala.
Na manhã de sexta-feira a adolescente deixou escapar uma pista de onde estaria, em conversa com a irmã pelo celular. A mãe foi até o local, mas não a encontrou. A atendente confirmou que duas jovens tinham estado no ambiente 30 minutos antes da chegada da mãe e tinham conversado com um homem aparentemente de 45 anos. “Na rua encontrei uma viatura da Polícia Militar e informei tudo o que sabia até o momento. Abriram um boletim de ocorrência e disseram que, com a descrição dela, poderiam procurá-las. No sábado, falei novamente com eles e me disseram para acionar a Polícia Civil, para investigações”.
No sábado, imagens do local comercial em que as amigas estiveram apenas mostraram que as duas permaneceram sentadas em uma mesa por duas horas, consumindo água e chicletes. Também neste dia Geci anunciou o desaparecimento da filha numa emissora de rádio da cidade. Foi por volta das 11h30 que a mãe conseguiu falar novamente por celular com a filha, que garantiu que voltaria para casa.
Já em casa, uma nova discussão entre mãe e filha fez com que Geci trancasse a adolescente em casa, para evitar nova fuga. “Acionei de novo o Conselho Tutelar, onde me disseram que o que faltava era disciplina. Eu precisava de uma orientação, gostaria que eles fossem falar com minha filha, pois era a primeira vez que passava por uma situação dessas e não sabia como agir. Mas a pessoa que me atendeu disse que estava ocupada no momento e que depois poderia até ir na minha casa, o que não aconteceu. Se você bate vai para a cadeia e quando você pede ajuda para não usar da violência não consegue”, desabafa.
Indignada, Geci enviou um e-mail relatando o caso e o atendimento recebido pelo Conselho Tutelar para a ouvidoria do Ministério Público do Paraná. “Só quero que outras mães que venham a passar o mesmo consigam amparo, pois quando você precisa de um órgão sustentado com seus impostos não consegue nada?”, questiona.
Atribuições
De acordo com o 2º Tenente da Polícia Militar, Fábio Zarpelon, o primeiro passo da polícia em casos como este é orientar os pais para que entrem em contato com amigos, vizinhos e parentes para obter alguma informação e saber qual foi o motivo do sumiço. “Via rádio, a PM entra em contato com as viaturas e repassa as características da pessoa. Já aconteceu um caso de uma viatura encontrar uma menina de nove anos pelas características e vir a saber que estava seqüestrada. Já para os pais que porventura acolherem um colega do filho em casa, sempre ligar para a família para verificar se ela realmente sabe onde o filho está”, observa.
O conselheiro Cleverson Camargo explica que muitas pessoas ligam para o Conselho Tutelar esperando que o órgão faça uma busca. “E isso não condiz com nossas atribuições. O que o Estatuto da Criança e do Adolescente traz para nós é que esse tipo de responsabilidade é dos pais. Poderíamos até ter ido buscar as adolescentes se tivéssemos notícia de qualquer órgão sobre o paradeiro delas. A mãe relatou que suspeitava onde a filha estava, então foi orientada a ligar para a polícia, que lhe daria amparo. O conselho vai agir quando houver violação dos direitos da criança e do adolescente”, informa.

Adolescência: um desafio para pais e filho
Na complexa relação entre pais e filhos é difícil apontar que tem razão. Os adolescentes quase sempre reclamam dos limites impostos pelos pais e estes tentam mostrar que vigilância não é mera implicância. A falta de diálogo e entendimento pode levar os filhos a se rebelar contra as normas dos pais e a burlar suas ordens.
“Na adolescência as coisas afloram e se você não criar uma base na infância a probabilidade de ter problemas de relacionamento nesta fase é maior. Se os pais acostumaram o filho a fazer o que queria, cedendo às suas birras, combinando regras e não cumprindo, e se não desenvolveu uma relação de afeto e de confiança, tudo isso tende a se expandir na adolescência”, explica o psicólogo Silvio Ortiz (foto).
Ele aponta que a adolescência é uma fase de ruptura, pois a pessoa não é mais criança e ainda não sabe ser adulta, quer delimitar seu espaço, determinar que é um ser pensante capaz de tomar decisões. “É uma fase complexa, mas determinadas atitudes de oposição aos pais são naturais. Mas quando começa a causar mais danos e prejuízos pode estar excedendo a rebeldia natural da fase, daí é preciso tomar cuidado”, diz.
Os pais precisam estar em sintonia com o momento do adolescente, ao mesmo tempo que não podem deixar que tudo aconteça só porque o filho está vivenciando um momento de ruptura. “É preciso saber como e quando se posicionar. Os pais não podem achar que casa, escola e comida são suficientes para a educação dos filhos. É preciso conhecer o filho, saber quais são suas preferências, como ele se sente. Se você quer que seu filho se abra é preciso estar preparado”, aponta o psicólogo.
Conquistar a confiança dos jovens e entender que esse período é marcado por conflitos é fundamental para fortalecer a relação familiar.

Cristina Esteche

Jornalista

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