22/08/2023

Bonecos de Ventríloquo!

Por Carlos Fernando Huf

        Nestes dias de ignorância e preconceito explícitos, nem a prerrogativa do caixa especial para idosos e outros “especiais” tem sido capaz de me livrar de cenas surreais.

Um dia destes fui abordado, na fila do Bradesco, por uma figura típica da fina flor das sesmarias com  a seguinte pergunta, em tom de sincera indignação: “O senhor viu na internet que a filha da Dilma já tem oito fazendas”?

        Dias depois, no Banco do Brasil, um pequeno empresário queria me convencer de que os seis ministros do STF que votaram a favor do direito constitucional ao duplo grau de jurisdição aos réus do mentir…, digo, mensalão, eram bandidos da pior espécie. Na sequência, queria me convencer de que a culpa do pedágio abusivo no Paraná é do Requião.

        Nos ambientes mais variados tenho ouvido a mesma ladainha sobre  o “clamor do povo” contra a “pizza” que se avizinha, com o recebimento dos embargos infringentes.

            A pergunta é: quantos desses bonecos de ventríloquo do  monopólio midiático liderado por Globo/Veja/Folha têm alguma ideia das sandices que estão repetindo? Quantos o fazem por pura e simples ignorância, e quantos por preconceito e  má fé?

            Uma indicação é possível perceber na mídia alternativa, a chamada blogosfera. Se no monopólio midiático  convencional a direita é unanimidade, na blogosfera pelo menos há o contraditório. Mas não chega a haver um debate. Enquanto os da esquerda, bem ou mal, procuram argumentar – e a maioria o consegue com louvável desenvoltura,  a falta de argumentos da direita se manifesta nos xingamentos, nas ofensas pessoais, no desrespeito, nas baixarias de todo tipo.

            Na maioria dos embates pessoais que tenho enfrentado, a percepção mais preocupante é a da ignorância pura e simples. A falta de conhecimento da nossa história recente é espantosa. O discurso de certa pessoas, mesmo as de um nível aparente de escolaridade,  deixa claro que seu conhecimento de História do Brasil e do mundo se resume às notícias, ou melhor, às não-notícias do Jornal Nacional da noite anterior, que são repetidas  ad nauseam. No máximo, da Veja da última semana.

Outro fato que tem me chamado a atenção é a unanimidade dos motoristas dos taxis que tenho usado, em Curitiba. Rigorosamente todos eles são anti-Lula, anti-Dilma e anti-Requião. Na mesma linha, a  maioria dos curitibanos que conheço (curitibocas?)

O fato me faz lembrar, por puro  acaso, é claro, que em 1955, ano em que JK foi eleito presidente da República, o Paraná foi o único estado do Brasil em que venceu Plínio Salgado, chefe do partido integralista, tachado de “fascista” até hoje. Em Curitiba e Ponta Grossa, teve votação estrondosa.

Fica a ideia para quem quiser embasar uma boa tese sociológica.

            Tudo isso me traz à lembrança, ainda,  e às minhas elocubrações existenciais, algumas frases emblemáticas:

             “Se você não for cuidadoso, a imprensa fará você odiar os oprimidos e amar os opressores”. (Malcolm X)

 “O Brasil é o único país do mundo onde o pobre é de direita”. (Tim Maia)

“O Brasil é o único país do mundo em que jornalista chama o patrão de colega”. (Mino Carta, na mesma linha)

Segundo o jornalista norte-americano Michael Lewis, citado por Palmério Dória em O Príncipe da Privataria, o neoliberalismo é “um fenômeno do qual o povo brasileiro teve a sensatez de escapar em 2002 encerrando a Era FHC pelo voto”.

Mas as manipulações das manifestações de rua recentes sinalizam para um fato  preocupante, a médio prazo: os avanços na economia começam a se tornar coisa normal. A fase seguinte é a do esquecimento da miséria de ontem, e de novas exigências – que serão manipuladas pela reação da direita midiática, em sua busca incessante pela ruptura e consequente retrocesso.

Por isso, os avanços econômicos do governo trabalhista no poder precisam ser seguidos, com urgência, de uma aceleração na educação e na busca do conhecimento. É a única forma de afastar os riscos da continuação dessa perigosa Síndrome de Estocolmo – aquela em que a vítima se apaixona pelo algoz – que ainda assola boa parte da população brasileira.  Aquela para a qual a História do Brasil se resume ao Jornal Nacional da noite de ontem e à Veja da última semana.

Síndrome que vai continuar alimentando perigosamente a única oposição real  e possível na atualidade, a midiático-judiciária. E o único antídoto eficaz para isso é educação, educação, e mais educação.

          

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BEM BRASIL

A justiça da Casa Grande

Dentre os cinco ministros do STF que votaram contra o direito constitucional aos embargos infringentes, nos últimos tempos dois se revezaram na concessão dos seguintes “direitos”:

Quatro julgamentos até a condenação do mandante do assassinato da ativista dos direitos humanos Doroty Lang.
Suspensão do júri, marcado para a capital, do mandante do assassinato, há mais de dez anos,  de 4 fiscais do Trabalho que investigavam trabalho escravo em Unaí-MG. Deverá voltar a Unaí, onde jurados estarão  à mercê das ameaças dos mandantes.
Dois Habeas Corpus na calada da noite a notório banqueiro ladrão, condenado, que parece ser dono da República.
Habeas Corpus para o banqueiro condenado e preso Cacciola fugir para a Europa.
 Habeas Corpus para o médico preso por estupro de 200 pacientes,  que em seguida fugiu para o Líbano.
Absolvição do estuprador de uma menina de 12 anos, sob a alegação de que a criança era “prostituta”.
Etc. etc. etc.

Dos que se indignaram com os embargos infringentes, não vi nenhum se indignar com a concessão dos “direitos” acima.

 

 Eis que neste domingo, 22, a Folha de São Paulo publica longo artigo de Yves Gandra Martins, ínclito representante da direita e frequentador assíduo das mesas redondas da Globo, com a veemente – e surpreendente! – afirmação de que o “domínio do fato” usado para condenar José Dirceu sem provas é uma escrescência e um perigo para a segurança jurídica do Direito pátrio.

Claro, com a chegada de gente séria à cúpula do MP e do próprio STF, a escrescência que serviu para condenar os do PT não pode ser usada para os processo dos mensalões do PSDB e seus penduricalhos, que se espera venham por aí.

Cristina Esteche

Jornalista

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