por Carlos Eduardo Mansur, de O Globo
Rio de Janeiro – Difícil medir o alcance, os efeitos do tropeço de proporções escandalosas do Brasil diante do Iraque. Porque existe um limite entre o aceitável e o suportável. É aceitável dizer que o time foi formado há pouco tempo, trata-se de um torneio de improvisos e que futebol se faz com projeto, algo difícil para seleções hoje. Tudo isso é justo e real. O caso é que o futebol brasileiro não suporta mais tropeços desta natureza. A cota de constrangimentos parece esgotada, a pressão é enorme. Ter piorado sua situação na primeira fase da Olimpíada é só a consequência esportiva imediata. A seleção perdeu o crédito com o público. Diante disso, perdeu a cabeça, o equilíbrio. No 0 a 0 contra os iraquianos, foi vaiada primeiro. Depois, foi humilhada com gritos de “olé”, de “Marta” e um desfecho melancólico: gritos de “Iraque” em Brasília. O compreensível senso de urgência nacional é o maior dos adversários do futebol brasileiro.
O Brasil do primeiro tempo fez 30 minutos de pavor e terminou com um tipo de jogo que poderia ser a semente de uma mudança. O difícil é fazer a boa sensação durar. Seja porque o futebol brasileiro hoje tem dificuldade de jogar bem em equipe, seja porque o time existe há muito pouco tempo, seja porque os nervos dominam a seleção. Antes de mudar, mostrou como é viciado o jogador brasileiro num jogo em espasmos, de correria na direção do gol, sem combinações e troca de passes em progressão. Sem pensamento. Eram tentativas individuais, verticais. Joga-se futebol com pressa no Brasil. E mudar a cultura leva tempo. Mesmo sem treino, o que dificulta tudo, o primeiro recurso do brasileiro não é passar, é correr.
É verdade que o Iraque tinha meio time semifinalista do Mundial sub-20 há três anos, o que lhe dá algo de padrão coletivo. Mas também teve que mudar jogadores para o Rio 2016. Não ficou imune. E mesmo assim era condicionado a se associar. Chegou duas vezes com perigo, uma em lance armado, outra ao acaso, num lateral que terminou na trave de Weverton. O Brasil, na dificuldade, corria. Mais tarde, na fase agônica da partida, cavava faltas, brigava com o árbitro, recorria a artifícios.
O time até terminou o primeiro tempo com outra cara. Jogando mais próximo, triangulando. Brotou futebol pelo lado direito, onde ora Renato Augusto, ora Gabigol, buscavam a lateral para Zeca se converter em armador por um corredor mais central. Houve jogo. A marcação do Iraque se confundiu, e o Brasil empilhou chances. Pelo menos duas delas, perdidas por um Gabriel Jesus que desperta justas preocupações. Se o time inteiro é ansioso, pressionado, o atacante do Palmeiras e, futuramente, do Manchester City, multiplica tais sensações. Tem dificuldade em jogadas simples e vê o gol se estreitar na hora de finalizar. Vive uma nova fase na carreira e não parece fácil lidar com ela.
Pela esquerda, o Brasil tinha mais dificuldade para reproduzir as jogadas que fazia na direita. Felipe Anderson exibe o vício de enfrentar a marcação a cada bola. Raramente tenta o passe. Nele paravam muitas das investidas do Brasil.
Em dez minutos de segundo tempo, Rogério Micale já mexera nestes dois homens. Colocara em campo dois jogadores que parecem surgir como alternativas capazes de melhorar o jogo do Brasil. Mas o contexto não ajuda.
A cena de Micale invadindo o campo no intervalo para reclamar com a arbitragem parecia o sintoma definitivo de uma seleção que, na dificuldade de achar o jogo, perde também a cabeça. O Brasil do segundo tempo era ainda mais nervoso. Luan se via preso entre os zagueiros, e Rafinha, lidando com problemas físicos, tentava impor um mínimo de jogo de passes ao time. E a cada erro, o Mané Garrincha vaiava. Mais alguns minutos e gritava olé quando o Iraque tocava a bola. Em seguida, já torcida para o rival. Acabara a paz. Até o nome de Marta, estrela do time feminino, foi gritado como forma de protesto.
Claro, o Brasil não melhorou. Perdeu-se a sensação do gol como questão de tempo que havia antes do intervalo. As chances minguaram. E, por crueldade, a maior delas foi perdida pelo mais vaiado. Renato Augusto, sem goleiro, falhou aos 47 minutos. Se a medalha de ouro vier, será após um enredo oposto ao imaginado.