22/08/2023


Brasil Variedades

Busca pela foto perfeita é sinal de doença e até já tem nome: selficídio

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Por Melissa Diniz, para o Uol

Com o avanço da tecnologia e a popularidade dos celulares com câmera, o hábito de tirar selfies (fotos de si mesmo) e postar em redes sociais virou uma febre. Mas não é todo mundo que lida bem com a própria imagem. Quem sofre de selficídio costuma perder horas tentando chegar à imagem perfeita, o que gera ansiedade e frustração.

Segundo a psiquiatra Maura Kale, que faz parte da rede Doctoralia, plataforma digital que conecta profissionais de saúde e pacientes, o termo é um neologismo para relatar um sintoma do TDC (transtorno dismórfico corporal), doença mental caracterizada por uma insatisfação com a própria imagem. “Normalmente, há uma distorção na maneira como a pessoa se vê. Ela enxerga defeitos onde não existem e não consegue achar a foto boa. Então, tira muitas, apaga e depois tira outras, sem se contentar, pois tem padrões inatingíveis de exigência.”

A publicitária Solange Cassanelli, 34, de Florianópolis (SC), começou a sofrer com TDC muito cedo. “Quando tinha sete anos, comecei a fazer terapia, pois sempre me achei feia. Eu não gostava de tirar fotos, tenho algumas, com a família, em que apareço chorando. Quando cresci, surgiram as máquinas digitais eu tirava mais de cem, usando bastante maquiagem, para escolher apenas uma. Depois ainda editava para tentar diminuir as imperfeições”, conta.

Solange demorou a entender a causa de seu sofrimento. “Eu tinha 27 anos quando descobri pela internet. Ao ler sobre a doença, parecia um relato sobre a minha vida. Na hora, já me identifiquei. Levei o diagnóstico para a psicoterapeuta, que confirmou o transtorno dismórfico corporal e me encaminhou a um psiquiatra”, diz.

Para que a terapeuta entendesse melhor como ela se via, Solange editou uma foto sua, inserindo as imperfeições que enxergava em si mesma. “Minha psicóloga imaginava como eu me via, mas eu achava que ela não entendia o grau disso.”

À esquerda, imagem real de Solange. À direita, como ela se viaimagem (Reprodução/diariodeumadismorfia.com.br)

Além da psicoterapia, Solange precisou fazer uso de antidepressivos. “Eu não sabia que tinha depressão. Achava que todas as pessoas tinham problemas na vida e era normal sofrer. Não conseguia dormir e chorava todas as noites.”

Durante o tratamento, ela criou o blog Diário de uma Dismorfia para auxiliar outras pessoas que sofrem do transtorno a compreender e superar a condição.

Seu quadro hoje está controlado. “Em 2011, percebi que eu não tinha mais nenhum sintoma  e até hoje considero algo superado na minha vida.”

SINTOMAS DO SELFICÍDIO 

Kim Kardashian fez um livro com suas melhores fotos chamado "Selfish"imagem (Reprodução/Instagram)

Ter vício de fazer selfies, como a socialite Kim Kardashian, não caracteriza, necessariamente, o selficídio. "O transtorno está presente se houver prejuízo à vida da pessoa e consequente sofrimento", diz. 

PONTA DO ICEBERG 

O selficídio, explica a médica, precisa ser investigado, pois, em geral, revela outros problemas sérios. “Além do TDC, é comum que a pessoa também tenha TOC (transtorno obsessivo-compulsivo), pois tem uma obsessão com sua imagem. Pode apresentar, ainda, transtorno narcisista, ansiedade, depressão, anorexia e até mesmo ideia de suicídio.” 

Além da enorme perda de tempo em função das fotos, o selficida tem baixa autoestima, dificuldades de relacionamentos e constante busca por aceitação. “O mecanismo de postar fotos de si mesmo é uma espécie de autopromoção. A pessoa procura conseguir as curtidas em uma tentativa de obter o respaldo dos outros. Mas, primeiro, usa aplicativos e programas de edição para deixar a foto perfeita”, explica Maura.

Selficidas também são frágeis emocionalmente, bastante vulneráveis a críticas e frequentemente insatisfeitos. Complexo, o quadro precisa ser tratado com psicoterapia e, em muitos casos, com medicação. 

MANIFESTAÇÃO PRECOCE 

Apesar de atingir muitos adultos – de ambos os sexos – o transtorno dismórfico corporal costuma se manifestar ainda na infância. “A maior incidência, segundo pesquisas, é na faixa que vai dos dez aos 15 anos. Quando investigados, os casos quase sempre revelam a existência de abuso, relacionamentos difíceis com os pais e bullying”, diz Maura.

A especialista considera que os pacientes que sofrem do transtorno costumam se espelhar em modelos de beleza sustentados pela indústria da moda, publicidade e pelas revistas de beleza. “São parâmetros irreais e que, por comparação, geram muito sofrimento.”

 

 

Cristina Esteche

Jornalista

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