Estava analisando alguns fatos recentes. E mais uma vez percebi que vivemos tempos em que o egoísmo deixou de ser apenas uma falha de caráter para se tornar um valor cultivado. Ele aparece disfarçado de ‘liberdade individual’, ‘meritocracia’ ou ‘direito de não ser incomodado’. A frase “se está bom pra mim, que se dane o outro”. Ou se a minha casa está bacana, que caía a casa do outro. Isso tudo não são apenas desabafos isolados. Têm virado, cada vez mais, um lema de conduta pessoal, social e até institucional.
Esse tipo de mentalidade se infiltra em decisões cotidianas: no motorista que estaciona sobre a calçada porque “só vai parar um minutinho”. No vizinho que faz festas intermináveis porque “é o único dia que ele tem pra curtir”, no cidadão que se recusa a tomar vacina porque “não quer ser cobaia”, mesmo colocando toda uma comunidade em risco. No medo de ter prejuízo porque algo vai ser desvalorizado.
EGOÍSMO TRANSVESTIDO
Mas o problema vai além das atitudes individuais. O egoísmo se torna perigoso quando se converte em lógica de poder, em doutrina política, em política pública, ou na ausência dela. Quando governos cortam verbas da saúde pública sob a justificativa de “eficiência fiscal”. Ou quando se retira o auxílio de quem mais precisa alegando que “cada um deve se virar sozinho”.
Em atitudes como essas, o que se legitima é a ideia de que o sofrimento do outro é um preço justo pela estabilidade de quem já tem. É o egoísmo travestido de racionalidade administrativa. Do ponto de vista sociológico, esse comportamento tem raízes profundas na estrutura desigual da sociedade.
Em um sistema que estimula a competição permanente e naturaliza a desigualdade como reflexo de esforço individual, o outro deixa de ser alguém com quem dividimos o mundo. Vira apenas um obstáculo ou um competidor. Quanto mais fragmentada uma sociedade, mais difícil é cultivar empatia. E sem empatia, o egoísmo deixa de causar vergonha para se tornar virtude.
A POLÍTICA TAMBÉM
A política também se molda a essa lógica. Quando se escolhem representantes que prometem “acabar com os direitos dos outros” para garantir privilégios a poucos, o que se revela é uma adesão inconsciente ou deliberada ao projeto do “cada um por si”. Um projeto perigoso, pois mina os vínculos sociais e transforma a coletividade em ruído.
Há quem diga que a civilização começa onde termina o egoísmo. Mas será mesmo? Talvez o mais urgente seja reconhecer que uma sociedade não sobrevive apenas de indivíduos buscando o próprio bem-estar. Não se constrói futuro com base no abandono do outro. E, no fim das contas, o “que se dane o outro” sempre volta porque um dia esse outro será você!
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