Cristina Esteche
Um pedaço de papel, um lápis e muita criatividade. É com estes ingredientes que o menino que nasceu em Pinhão, e que morou grande parte da infância e juventude em Guarapuava, se tornou um dos mais conceituados ilustradores do País, conquistando prêmios. Um deles foi um emprego como chargista na Folha de São Paulo de onde se projetou para o mundo.
José Carlos Santos, o internacional Carlinhos Müller, se interessou pelo desenho ainda na infância. “Meu pai tinha um comércio em Pinhão eu o ajudava. Nas horas vagas, ficava folheando os jornais que ele comprava por quilo para embrulhar os produtos vendidos na mercearia. Um dia, no meio dos jornais achei uma revista Veja e tinha um desenho do Paulo Caruso. Acho que era uma caricatura do Ronald Reagan, ali, me despertou uma curiosidade! Achei estranho e belo, naquele momento decidi que eu seria "aquilo", eu não sabia o nome da profissão, pois eu era um matuto do interior e tinha apenas oito anos de idade”.
Aos 12 anos foi a Guarapuava . “Vida difícil”, afirma. Trabalhando como atendente numa academia, Carlinhos ficava desenhando para passar o tempo. Estava ali o sinal verde para que o desenhista mostrasse o seu talento no jornal diário Folha do Paraná, que tinha como proprietário o jornalista Carlos Alberto Gomes. “Fui lá e mostrei o meu caderno para ele e para o Fernando Esteche, que era o editor e na hora me convidaram para ficar”. De acordo com Carlinhos, o único problema era que não dava para desenhar, pois o jornal era em linotipo. “Esse sistema não permitia fazer clichê dos desenhos todos os dias, então fiquei diagramando e esperando o dia que chegasse a impressora off set”.
Quando, finalmente, a Folha passou a ser impressa em off set, veio outro problema: não tinha verba para fazer fotolitos todos os dias. Tudo era montado em papel vegetal para baratear o processo. “Eu tinha que desenhar direto nas páginas, as vezes num espaço mínimo e tudo ao contrário para ficar correto na hora da impressão. Foi uma grande escola pra mim”.
Na Folha de São Paulo
Em 1988 a família do desenhista se mudou para Ourinhos, no interior de São Paulo, para trabalhar como operários na usina de álcool e açúcar São Luis. “Lá procurei o jornal local onde fui contratado, mas não durou muito e a empresa fechou. Fiquei colaborando com o Debate de Santa Cruz do Rio Pardo, do amigo Sergio Fleury. Mas, tudo muito difícil também, acabei trabalhando na usina como faz tudo. Desde letreiros em caminhão, até auxiliar de laboratório”.
A vontade de vencer na profissão escolhida fez o jovem perder a timidez e encarar a capital. “Vim para São Paulo com a cara e a coragem e duas cartas de apresentação que pedi ao jornalista Sergio Alves, que foi editor no Última Hora e no Jornal do Vale de Ourinhos, onde o conheci. As cartas eram para o jornal Notícias Populares e para a Folha Metropolitana de Guarulhos, onde acabei ficando por 10 meses até surgir um concurso na Folha de São Paulo para chargista. mandei e fui um dos oito ganhadores”. O prêmio? Um emprego num dos maiores jornais do Brasil. “Acho que meu sonho estava se tornando realidade, mas foi muito difícil também, não consegui me adaptar ao ritmo do pessoal da Folha e pedi para sair”.
O Estadão
Numa tarde sem grana e procurando “frila” (bico), Carlinhos disse que foi até a Editora Globo, que na época era na Lapa, e voltando de lá andando pela Marques de São Vicente, viu o prédio do Estadão, na Marginal do Tietê. “Me deu aquela luz. Fui até lá com minha pasta debaixo do braço. Chegando na portaria falei com o guarda que gostaria de trabalhar no jornal, e se poderia mostrar meus desenhos lá na redação. Ele ficou desconfiado e pediu uma referência, alguém para me receber. Eu não tinha e fiquei ali com cara de cachorro magro”.
Sem querer desistir, Carlinhos Muller mostrou os desenhos para o porteiro que reconheceu o talento do desenhis. “Ele só falou assim: Vai lá Zé Carlos! Entrei correndo, e no corredor encontrei uma colega que era da Folha, e que me apresentou ao editor de artes e ao editor chefe, o Zé Paulo Kupfer, na época. Não sei por que simpatizaram comigo e fiquei um dia, dois, um ano, dez, 23 anos na redação”.
Pioneiro em ilustrações 3D
Hoje Carlinhos Muller possui o próprio estúdio, continua colaborando com o Estadão e fazendo muitas coisas para outras empresas. “Dou aulas de pintura e desenho,. Sou músico nas horas vagas, toco saxofone e flauta transversal, aprendi sozinho também. Tenho três filhos, Luiza, Gabriel e Luca, fruto do casamento com a Norma, fotógrafa que conheci no Estadão. Atualmente estou solteiro”, enfatiza.
"Sou autodidata"
Aualmente, faz vários trabalhos em parceria com a Editora Belas Letras, além de ter ilustrado livros de Serginho Groisman, Tico Santa Cruz, Vitor e Léo e Eduardo Bueno(o Peninha)”. É pioneiro no Brasil em ilustrações Pop Up (3D) para a coleção "Os maiores Times do Brasil", incluindo o Corinthians, Flamengo, Vasco e Internacional, respectivamente com os escritores Glória Alves, Carol De Barba, Marcelo Aramis e Gustavo Guerter.
Ilustrou também o livro de Rolando Boldrin, "História de contar o Brasil" (Um carroção de causos) e de Ary Toledo, "Os textículos de Ary Toledo (A anarquia da filosofia).
“Sou um artista autodidata que nunca teve uma formação acadêmica e que veio do interior do Paraná com todos os sonhos embaixo do braço. Cheguei às portas do Estadão sem nenhum contato com a cara e a coragem. O tempo passou e este ano completo 30 anos de profissão e amor por Sampa, onde finquei minhas raízes e não pretendo sair”.
Carlinhos diz que apesar do tempo de profissão quer ainda continuar criando novas possibilidades de expressão artística. “Sou um apaixonado pela vida, pela família, pela música e pelos amigos. Na minha alma inquieta sou o cara que está sempre buscando aprender para um dia transmitir. Apesar de tudo, sou um otimista e continuo acreditando na humanidade; esperando que um dia estejamos todos irmanados”.
Prêmios
Concurso de Charges – Folha de São Paulo (1989)
Salão Internacional de Humor de Piracicaba (1994, 1999, 2000 e 2005)
Sociedade Interamericana de Imprensa (SINP) – Menção Honrosa (2000)
II Salão Ramiz Gökçe de Humor do Chipre/Turquia (2002)
Salão de Humor da Univates-Lageado (2003)
Prêmio Estadão, categoria Artes e Ilustração (2001, 2002, 2003,2004,2005, 2006 e 2007,2010 e 2012).
Prêmio 12º Salon Diogenes Taborda 2007 (Argentina)
Comissão Européia de Turismo CET 2012 (Istambul)
Matéria publicada na Rede Sul em Revista – edição de dezembro