22/08/2023
Política

Caso Robson: Prefeito ”desaparece” no meio da crise

Guarapuava – Em setembro de 2006, quando reinaugurou o Ginásio de Esportes Joaquim Prestes, às vésperas da eleição estadual, o prefeito Fernando Ribas Carli tinha bons motivos para aparecer em público. O principal deles era que seu filho mais velho, Fernando Carli Filho, concorria às eleições como candidato a deputado estadual.

A um custo não oficial de R$ 300 mil (os valores reais nunca foram divulgados pela Prefeitura), a reforma do ”Joaquinzão”  teve um gasto adicional quando Carli  ”torrou” mais uma quantia em fogos de artifício para anunciar, com clarões no céu, o seu mais novo feito.
Outra razão relacionava-se a um estilo que Carli adora cultuar, que é traçar paralelos entre o ”passado negativo” de seus antecessores na Administração do Município e suas ”obras redentoras”, que, na sua visão, reformam o antigo e o ultrapassado, transformando-os em ícones de modernidade.
Nos últimos meses, o prefeito não vem mais conseguindo cultivar seu exacerbado culto à personalidade. Além de uma visível queda na qualidade do seu marketing pessoal, ele vem adotando medidas administrativas que contradizem, dos pés à cabeça, o discurso com o qual se sustentou politicamente em quase três décadas de mandato, alternando a Prefeitura de Guarapuava, Assembleia Legislativa, Câmara Federal e uma rápida passagem pelo governo do Estado.
Ao longo de 2009, o prefeito decretou auto-clausura. Vez ou outra, apareceu em missas ao lado do filho mais novo, Bernardo, que mais tarde seria lançado pré-candidato a deputado estadual.
Como gestor público, o  ”desaparecimento” de Carli criou a sensação de vácuo de poder. Sem acesso a informações, a população só tomaria conhecimento das ações que convergem do Paço Municipal, sede da Prefeitura de Guarapuava, através dos efeitos colaterais dessas decisões, tomadas entre quatro paredes.
O primeiro impacto foi quando retornou da licença durante a convalescência de Carli Filho e passou uma borracha, de cima a baixo, no trabalho do vice-prefeito Jorge Massaro, que é invariavelmente resgatado do ostracismo político nos momentos de crise.
Em meio ao silêncio, Carli conseguiu que quatro vereadores ”mudassem de ideia” e passassem a apoiá-lo cegamente, formando maioria com mais quatro colegas na Câmara Municipal. O que um vereador chamou de ”governabilidade”, na prática ganharia outra conotação.
As contas municipais que antes tinham sido rejeitadas, foram novamente colocadas em pauta e aprovadas. Foi lançada uma nova taxa para o lixo, com reajustes que atingiram 750%, com protestos em praça pública, passeatas, sem que nada disso sensibilizasse o prefeito e os vereadores.

Dinheiro em caixa e empréstimo de R$ 11,4 milhões
Para não se dizer que Carli ficou completamente mudo, ele quebrou um jejum de muitos anos e compareceu à Câmara no reinício dos trabalhos legislativos, em fevereiro passado. Foi munido de números para anunciar que o Município fechou 2009 com R$ 20 milhões em caixa. Dias depois, contraditoriamente, ele ordenou que os veredores aprovassem um empréstimo de R$ 11,4 milhões sem informar a taxa de juros e o prazo de pagamento, detalhes de onde o dinheiro seria investido, por que a dívida, se a Prefeitura tem recursos sobrando – e nada disso lhe foi perguntado.
Por último, nesta última semana, ele determinou e os vereadores que lhe dão sustentação generosamente lhe concederam o direito de viajar para fora do Brasil sem pedir autorização prévia a ninguém. Se quiser, se esta for a sua vontade, poderá contar que está de partida ou que já voltou.
O prefeito resolveu mais uma vez sair de cena exatamente num momento de grave crise na sociedade guarapuavana. O pedido aprovado pela Câmara, autorizando-o a sair do País sem dar satisfação, coincidência ou não, ocorreu quando Guarapuava se debatia com a repercussão em escala mundial do acidente do jogador de futsal Robson Rocha, do Deportivo, durante a Copa 200 anos, organizada pela Prefeitura com altos investimentos em propaganda. O acidente aconteceu justo no Ginásio Joaquim Prestes, que foi reconstruído para ser um modelo da eficiência da Administração Carli.

Daquele instante em diante, quando as chocantes imagens da morte do jogador começavam a circular o mundo, o prefeito Fernando Ribas Carli, autoridade-mor do Município, e responsável direto pela organização do evento, nunca mais foi visto.
Por ausência de informação, a notícia do acidente, que envolvia diretamente o nome de Guarapuava, de forma negativa, ia se multiplicando sem que os repórteres, do Brasil inteiro, conseguissem informações oficiais sobre o que estava acontecendo.
Tornou-se evidente a ”estratégia” de ficar no completo silêncio para não amplificar as informações, mas isto não funciona onde há imprensa forte. Repórteres do Brasil inteiro passaram o domingo e a segunda-feira, dia posterior à morte de Robson, atrás de uma posição oficial da Prefeitura.
Todo mundo, menos o prefeito e sua assessoria, já tinha se apercebido da gravidade do problema. O mínimo que se esperava era uma fala do prefeito ou de um assessor credenciado, afirmando que a Prefeitura, como organizadora dos 200 Anos, iria apurar responsabilidades e corrigir os ”eventuais” problemas. Nada disso foi registrado. Diante da pressão da opinião pública, a Assessoria de Imprensa limitou-se a uma nota lacônica, 50 horas depois do acidente, apresentando ”pêsames” à família de Robson e propagandeando que a Prefeitura fez de tudo para salvar a vida do rapaz. A esta altura, o corpo do jogador já tinha sido sepultado em Foz do Iguaçu, sua cidade natal, com familiares em completo desespero.
Na mesma segunda-feira, já se podia mensurar que uma grande crise de identidade moral atingiria a imagem de Guarapuava. Não só a cidade estava estarrecida, pois nutre um carinho muito especial pelos jogadores do Deportivo, como também desportistas dos mais longínquos cantos do Pais multiplicavam comentários sobre a maneira estúpida como Robson morreu.
Era tempo mais que suficiente para que Fernando Ribas Carli reassumisse seu papel como prefeito, dirigindo-se principalmente aos guarapuavanos numa mensagem onde passasse segurança e domínio sobre os atos que envolvem a administração municipal. Carli demonstraria com isso a mesma altivez com que habitualmente ocupa os microfones das rádios Cacique AM e 92 FM, de sua propriedade, onde repórteres perguntam somente o que interessa ao patrão e o patrão, travestido de prefeito, só fala o que lhe interessa.
Sem coragem para encarar a imprensa de fora, que não o trataria como patrão, e sim como prefeito, Carli, através de sua Assessoria, tinha mandado um recado que nada falaria sobre o ”Caso Robson”. Com recordes de acesso, o site ”Rede Sul de Notícias”, de Guarapuava, vinha monitorando de tempo em tempo a repercussão e os desdobramentos do assunto. Quando até a delegada que cuida do inquérito, Maria Niza Nanni, afirmava não existir  ”nexo causal” entre o acidente e a quadra, uma nova história mudaria totalmente o rumo das investigações: o garoto Giuliano Magela e seu pai, o publicitário Geraldo Magela, de Cascavel, vinham a público relatar que em 2008 o menino sofrera um acidente idêntico e no mesmo lugar onde Robson se machucou. Para provar, pai e filho mostraram uma lasca pontiaguada do assoalho do ”Joaquinzão”, que provocou ferimentos profundos na coxa da criança, então com 11 anos.

Prefeitura desconhecia outro acidente
Na terça-feira, a notícia, que circulou primeiro nos sites e televisões estaduais, foi parar no ”Jornal Nacional”  no horário de pico de audiência da Rede Globo. A apresentadora Fátima Bernardes encerrou a reportagem dizendo que a Prefeitura de Guarapuava ”desconhece”por completo o acidente com o garoto de Cascavel. ”Desconhecia”, corrigiu o apresentador Willian Bonner, que não conseguiu conter sua perplexidade ante a mal elaborada justificativa da Prefeitura.
Em 2008, ano em que Giuliano Magela se feriu no ginásio, o secretário de Esportes era o desportista Altino Nizer, mas o prefeito era o mesmo, Fernando Ribas Carli. O curioso é que a Secretaria de Esportes fica dentro do  ”Joaquinzão” e assessores, técnicos e atletas circulam a todo momento dentro do ginásio. Além disso, o pai de Giulano Magela foi contundente ao afirmar que a Prefeitura foi avisada e prometeu encontrar uma solução para o piso, pois não restava dúvidas da possibilidade de um incidente mais grave. Para completar, Carli gosta de se gabar que nem uma agulha passa por dentro da Prefeitura (leia-se Secretarias, autarquias) sem o seu conhecimento ou prévio consentimento.
Se assim for, Carli saberia que pelo menos outros dois acidentes, iguais aos de Robson e Giuliano, mancharam de sangue a milionária quadra do Ginásio Municipal de Esportes. E que o ”melhor ginásio de esportes do Paraná” sofre com constantes goteiras e que é passível de umidade porque um rio (isso mesmo, um rio) passa por baixo da quadra, ficando a apenas 1 metro da superfície.
Na quarta-feira, após a opinião pública brasileira ter formado sua lógica em torno do acontecido, o atual secretário de Esportes, Pablo Almeida, apareceu na TV Araucária (Guarapuava) sem outra alternativa: reconheceu ”falhas” e arriscou um vaticínio ao prometer, como antes haviam prometido ao pai do garoto Giuliano, que “isto (acidente com Robson) nunca mais vai se repetir”.
Carli, o prefeito do Município, preferiu outro caminho. Qual trajeto? É o que todos se perguntam, já que nem na abertura da Festa Nacional do Milho, um dos maiores eventos da agricultura da região central do Paraná, ele quis comparecer. Como manda seu catecismo de crise, mandou o vice-prefeito Jorge Massaro representá-lo. E como Massaro não tem poderes para nada, e quando ousa fazer, Carli desmancha, a cidade continua sem prefeito.
Enquanto o nome de Guarapuava ganhava os telejornais do Brasil inteiro com notícia ”negativa”, expondo a fragilidade e inoperância da Prefeitura Municipal, o prefeito e sua assessoria não esboçavam nenhuma reação.
Ainda nesse dia a mãe de um menino de Cascavel denuncia que seu filho se acidentou no Jaoquinzão em 2008. Uma lasca do piso perfurou uma das pernas da criança durante jogo de futsal. A Prefeitura disse desconhecer o acidente. Mais uma vez o prefeito e a Assessoria de Comunicação se calam.
Ainda no dia 8 a delegada Maria Niza Nanni declara à imprensa que será difícil apurar responsabilidades porque ”não encontrou nexo causal” entre a lasca que se soltou do piso e o acidente que matou Robson.
A fala da delegada repercute entre juristas de renome nacional que consideram ”precipitadas” as declarações feitas pela policial. Um criminalista levante a hipótese de culpa inconsciente. 
A delegada Maria Niza Nanni reformula suas declarações e diz aque o inquérito policial deve apurar responsabilidades.

Cristina Esteche

Jornalista

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