22/08/2023

Contem-nos algo que não sabemos

Os tempos mudaram e uma parte da sociedade brasileira está incontrolável. Há quem defenda a hipótese de ser um desdobramento das jornadas de junho de 2013, uma espécie de sequela ou algo não concluído.

Diante de algo, algum evento, algum fato político, o cidadão, via de regra, tinha a oportunidade de ser contra ou a favor, mas no momento em que escrevo, sobretudo com a democratização das redes sociais, os cidadãos se armaram do poder de dizer e desdizer, de debater publicamente, expressar-se, defender suas convicções, seus valores, suas percepções, seja através de comentários ingênuos ou maliciosos e tudo mais.  Não há dúvida que estamos de diante de um fenômeno de radicalização à direita, ao centro e à esquerda. Estamos iniciando o que os Europeus estão terminando.

Mesmo assim, não há dúvida que nossa sociedade, neste exato momento, está diante de um tiroteio, de um faroeste tupiniquim e que balas certas e perdidas são disparadas sem nenhum receio.

Trata-se da eleição da desqualificação. Desqualifica-se para ficar, assim como desqualifica-se para tirar.   O saldo não será outro senão uma pseudo sobrevivência sem crédito algum, pois qualquer vitorioso assume desmoralizado. É como um filho que vê seus  pais no ringue suicida e, desesperado, clama por outra família.

Estou aqui em um grande esforço para me livrar da peste que costuma atingir a todos, ou seja, o vírus da passionalidade.  Não escrevo como eleitor, embora seja difícil a pureza, mas como alguém que tenta examinar os discursos explícitos e implícitos para sugerir algo que possa balizar uma escolha suspeita, mas consciente, seja ela qual for.

Em primeiro lugar, com os pés fincados no chão e com a lente do ceticismo,  reitero aqui que o sistema político tão demonizado e culpado por todos nós, não será exorcizado pelos novos detentores do poder. Jamais. Se os cidadãos não obrigarem os novos protagonistas a mudar o sistema político, a natureza não vai colaborar. Assim, não há dúvida que somente a sociedade poderá fazer com que as reformas necessárias aconteçam de um jeito ou de outro seja em Brasília, em nosso Estado e em nossa cidade.

O tom do esclarecimento é claro para Dilma: “Não basta reeleger-se e manter o governo”. Da mesma forma, o mesmo esclarecimento diz a Aécio: “Não basta derrotar o governo”.

Uma parcela significativa da sociedade não votou. Uma parcela significativa da sociedade não votou em Dilma e Aécio. Uma parcela significativa da sociedade está, involuntariamente, assistindo o linchamento público de petistas e tucanos e não acredita em final feliz, pelo menos nos próximos anos.  Como escreveu Fernando Gabeira: “tenho a esperança, como o pai de Fernando Sabino, de que no fim tudo terminará bem. Se não terminar, é porque ainda não chegou o fim”.

Praticando o exercício de retirar um caldo bom de tudo isso, leio e ouço informes dos candidatos que a transformação e a mudança são necessárias. É aqui que compartilho do sarcasmo crítico do filósofo Vladimir Safatle que alfinetou magistralmente fazendo uma pequena paródia tendo a Seleção Brasileira como pano de fundo. Escreveu: "Diante do clamor por mudanças e pelo novo, precisamos ter coragem de inovar. Por isto, apresentamos o novo técnico da seleção… Dunga". Nada pessoal contra Dunga, mas a expectativa era bem outra. Chegamos a pensar até em revolução, ou seja, tirar o Presidente da CBF e seus marajás.

Eu e muitos brasileiros, naquele contexto de pós-Copa do Mundo, esperávamos algo novo, a verdadeira mudança, algo que mexesse verdadeiramente no DNA da Seleção Brasileira e que nunca mais pudéssemos passar pelo que passamos. Imagina você se o Presidente da CBF anunciasse que a mudança seria a manutenção de Felipão com ideias novas ?  Da mesma forma e, isto aconteceu, o novo  é o Dunga.  ( Que tragédia ). Assim como não votei neste ou nesta, não queria nem Felipão, nem Dunga, mas foi o que nos sobrou.

Hilário. Risível. Ouço tanto a petista quanto o tucano assumirem a aura da mudança e das novas ideias, quando na verdade (eles não nos deixam esquecer) representam o que começou bem e terminou mal. É ou não é?

Como a eleição está ancorada no elemento central da economia e versões artificiais são reproduzidas diuturnamente sobre o antagonismo: fantasmas do passado e monstros do presente aproveito o ensejo para fazer uma provocação.

Sem ser tranquilo como um grilo, atrevo-me a realizar algumas perguntas ácidas: Presidenciáveis do segundo turno, contem-nos algo que ainda não sabemos, ou seja, façam-nos um grande favor de realizarem uma avaliação crítica transparente e em programas eleitorais nos respondam a alguns questionamentos: “porque falharam?”, “o que exatamente não deu certo?”, “em que exato momento se perderam?” e o mais importante: “o que farão para não errarem novamente?”, “qual a fórmula para separarem o joio do trigo?”, “até quando continuarão incapazes de reconhecerem seus erros?”.

Ora, a opinião pública merece mais sinceridade dos atuais postulantes ao cargo máximo da nação ou no mínimo uma avaliação crítica de si mesmos, não apenas como insistem “no que deu certo”, mas principalmente “no que deu errado”.  Aí sim teríamos melhores condições de votar sem engodo e sem a peste da passionalidade.

 

 

Cristina Esteche

Jornalista

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