22/08/2023


Segurança

Crack: da euforia à depressão em poucos minutos

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A droga causa dependência em poucas vezes de uso, já que a sensação de prazer inicial não é mais obtida. Além de degenerar o corpo do usuário, também instiga a violência e a criminalidade

Minutos de euforia e prazer seguidos de angústia e depressão. Esses são os efeitos da droga que vem ganhando espaço entre adolescentes, jovens e adultos tanto de classes de baixa renda como as de renda maior. O uso de crack, além de refletir nos índices de criminalidade, acaba trazendo consequências no âmbito familiar e de forma lenta provoca alterações irreversíveis no corpo do usuário.
A droga é feita de um derivado da cocaína, onde se mistura bicarbonato de sódio e água destilada. Depois de fervida e filtrada forma cristais, que são cortados em pedras. É inalada com o auxílio de um cachimbo ou de uma lata e os pulmões conseguem absorver quase 100% da fumaça do crack. Demora apenas cerca de 10 segundos para chegar ao cérebro, onde atua numa região denominada de núcleo tegmental ventral, liberando dopamina, substância ligada ao prazer.
No entanto, a euforia causada pelo consumo do crack dura entre cinco a 15 minutos e, depois disso, a sensação de prazer dá lugar à profunda depressão. “Depois desse efeito vem a chamada ressaca, que é uma sensação de depressão, apatia e o desejo muito forte de buscar novamente aquela sensação prazerosa que a droga proporciona. Bastam três a quatro fumadas para a dependência, que acontece de forma progressiva. Quanto mais o tempo passa, mais a pessoa vai querendo a droga. E aqueles efeitos de prazer que a droga proporciona vão desaparecendo”, explica o médico psiquiatra Líbero Mezzadri.
Segundo ele, o crack é consequência de uma caminhada química que começa pelo álcool e passa por outras drogas como a maconha. “A nossa tolerância com a bebida facilita o uso de drogas ilícitas”, completa.
Foi assim que o filho de dona Maria (nome fictício) entrou nessa viagem, ainda aos 15 anos. Já foi usuário de maconha e também cheirava tinner. Hoje, com 25 anos, ele está internado em uma clínica da cidade. “Faz 40 dias que não o vejo, só recebo as cartas que ele manda. Agora, só vou encontrá-lo no final do mês. Já fiz várias tentativas para tirá-lo desse mundo, mas o tempo maior que ele fica são seis meses. Daí ele sai, encontra os antigos companheiros e, quando a gente menos espera, toma um copo de pinga ou uma cerveja e já corre atrás da droga de novo. São dez anos nessa luta onde ele já esteve quase morto muitas vezes, não só pela droga em si, mas também por traficantes”, conta.
Dona Maria fala que os viciados ficam na fúria pela droga. Pagam as primeiras pedras em dinheiro e, depois, acabam entregando um rolo de jornal ou papel sem nada dentro. “Daí eles correm com a droga e o traficante vem atrás deles”.
A mãe revela que, sob o efeito do crack, o filho fica violento, alucinado, não consegue comer e dormir e pega o que achar pela frente para trocar por pedras da droga. “Ele iniciou nessa droga quando ainda vendia Cds. Começou trocando a droga pelos produtos que vendia e de repente gastava tudo o que ganhava com o trabalho. Daí foi a bicicleta dele, a bicicleta do irmão, daí outra bicicleta que ele emprestou e não parou mais. Ele fica esperando a primeira oportunidade para roubar”, aponta.
O último roubo foi um pouco antes de ser internado, quando ele pegou – antes da mãe – todo o dinheiro que dona Maria tinha para receber. “Agora eu estou correndo atrás não só do dinheiro que eu perdi como do dinheiro que ele pegou do patrão para viajar e fumou tudo. Ele estava trabalhando, mas fica difícil parar num emprego porque não são todas as pessoas que confiam. Numa primeira viagem que ele iria fazer sem que eu estivesse junto ele roubou todo o dinheiro”
Cachimbo do mal
“Acho que todas as drogas são ruins, mas o crack ainda é pior. O crack realmente veio para acabar com a juventude”, essa é a definição de dona Maria sobre a droga que escraviza seu filho. Ela já perdeu televisão e outras inúmeras coisas em função do crack.
Um dia antes da internação, ele fugiu de casa alegando que faria exames, o que não era verdade. Pegou um dinheiro da mãe e saiu para fumar. Ele só apareceu no outro dia, pouco antes de ir para a clínica: os pés já eram uma bolha, o calçado totalmente detonado e ele já não tinha mais a mesma roupa no corpo. Trocou tudo por crack. “Veio para casa com um chinelo de dedo arrebentado. Os traficantes sempre entregam chinelos de dedo emendados com barbante ou arame e ficam com os tênis, roupas ou o que for. Produtos como televisão, aparelhos de som, entre outros, são levados daqui pelo pessoal que vem trazer a droga para eles. Antigamente até revendiam por aqui, mas agora com o policiamento mais intenso eles mandam para um centro de distribuição de fora. Eles normalmente já fazem um pedido sobre o que querem para que os usuários corram atrás”, diz Maria.
De acordo com ela, Guarapuava possui várias “bocas”, entre elas, São Cristóvão II (Patental ou Cracolândia), Xarquinho e Sanbra. “No Patental só menores de idade estão entregando. Ali você chega, para o carro e acena quantas pedras quer e eles vêm correndo”.
As pedras, que antes eram vendidas a R$ 10, chegam a custar atualmente apenas R$ 5. “Por isso esse pessoal fica pedindo nos sinaleiros e estacionamentos. Um dia chegou na minha casa um menino bem magrinho pedindo comida e, segundo ele, a mãe tinha tido neném e eles não tinham o que comer. Pediu um quilo de farinha, feijão e óleo. Corri e dei dois pacotes de alimento e, depois que ele foi embora, meu filho disse que eles trocam tudo nas bocas. Eles montam uma espécie de cesta básica que dá o valor da droga e trocam pelas pedras de crack. Hoje eu não dou mais nada, a não ser para as campanhas da igreja”, ressalta.
Ela conta que, um tempo atrás, o crack era vendido também em carrinhos de catadores de papel e de sorvete, nas portas de escolas. “Eu mesma já vi isso”, afirma.

Tratamento é limitado em Guarapuava
Os primeiros relatos sobre o consumo de crack no Brasil surgiram em 1989, entre crianças que viviam nas ruas do centro de São Paulo, um ano antes da primeira apreensão de droga feita na cidade. Vinte anos depois do começo da epidemia na cidade, o crack migrou para os demais estados e o mercado da droga se consolidou em todo país. A droga já teve uso identificado entre consumidores das 27 capitais brasileiras, conforme pesquisas do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid).
O crack saiu da periferia e bateu à porta das casas de famílias de classes média e alta, onde também encontrou alento e gerou destruição. “Acredito que o uso dessa droga continua crescendo e não só na classe de baixa renda, como também na classe média. E isso não apenas em Guarapuava, mas em todo o país”, aponta Líbero Mezzadri.
Com relação ao tratamento, o psiquiatra diz que nossa cidade continua limitada. “Hoje a cidade já tem um CAPS AD (álcool e drogas, implantado em 5 de junho de 2008), mas é só um primeiro passo. Creio eu que é pouco frente à demanda que temos e precisamos de centros especializados para menores de 18 anos”.
Ele diz que, entre os pacientes que o procuram, a maioria apresenta dependência em função do crack. “É um grande problema de saúde pública e eu ainda acho que as autoridades da área veem com muito descaso isso”, destaca.
Segundo o médico, estatisticamente 25% das pessoas que procuram ajuda conseguem se livrar da droga, mas não necessariamente na primeira vez. “Se confunde muito tratamento com internamento, e são coisas diferentes. O internamento é a primeira fase do tratamento, a que depois se dá continuidade através de acompanhamento ambulatorial e consultas com especialistas. O tratamento é um processo”, observa.

Cristina Esteche

Jornalista

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