A fogueira no meio da mata nativa faz clarear a escuridão da noite, embora num céu bordado de estrelas e a lua a espiar, brincando de esconde-esconde em meio às nuvens. O cheiro de incenso no ar denuncia o local procurado. Aos poucos, elas vão chegando. Uma a uma ou em blocos. Trazem como bagagem a energia, as angústias, as conquistas, os amores, os desamores. À sombra de cada uma, imperceptível mas presente, a ancestralidade baila, com a sua magia, seus usos e costumes, mas também com suas crenças limitantes que tanto nos impedem de desatar as amarras, seguir em frente.
Elas chegam e sempre trazem outras. São empresárias, publicitárias, jornalistas, psicólogas, arquitetas, artistas, professoras, mães, donas de casa. São tantas e são uma só. São lindas. Até certo ponto, independentes. Longe de serem as bruxas estereotipadas, com verruga na ponta do nariz, corcundas, feias e más. Uma imagem distorcida, desprestigiada pela era patriarcal cristã que impôs a divindade máxima a um deus masculino, feito à imagem e semelhança dos homens. A honra, a valentia, a competitividade, o espírito de conquista, aos poucos engoliu a cumplicidade, a receptividade, a cooperação, as poções mágicas da medicina natural, portanto, o respeito à natureza e suas leis.
Mas elas sabem muito bem disso e tentam reverter essa condição a partir do seu próprio Eu, sem deixar de dar as mãos, umas às outras. Elas sabem que trazem dentro de si um pouco da parteira, da curandeira, da sacerdotisa. Ela sabem que possuem a sabedoria medicinal das ervas, folhas, raízes. São conhecedoras dos mistérios da natureza, da vida e da morte.
Sentadas no chão, em volta da fogueira, as chamas agora não queimam mais as condenadas pela Inquisição. Simbolicamente, eleva ao Universo o desejo de liberdade, de romper os nós, de soltar-se ao vento, de correr no tempo em busca da antiga tradição libertária dos tempos matriarcais, da sabedoria de conhecimento e de poder, mas não poder que corrompe, mas de poder para transformar, promover mudanças.
Como pode ser observado as bruxas estão ai, aqui, ali, acolá. Soltas, belas, modernas, mágicas, queimando no fogo tudo o que a incomoda, tudo o que deseja ter e ser.
E assim como chegaram, elas se vão. Cada uma para o seu lar, com a sua missão, até que numa noite próxima a lua dê o sinal. E assim a ciranda não para, afinal, elas precisam continuar tecendo a magia do que é viver e fazer ser.