22/08/2023
Brasil Cotidiano

‘Dá para cancelar?’: como a cultura do cancelamento ganhou visibilidade

O BBB, programa de visibilidade nacional, tem levantado uma nova pauta, a cultura do cancelamento e a consequência na vida dos participantes

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‘Dá para cancelar?’: como a cultura do cancelamento ganhou visibilidade (Imagem: Reprodução/Pixabay)

Zygmunt Bauman, sociólogo polonês desenvolveu o conceito de modernidade líquida, que se relaciona as redes sociais e as relações humanas que se tornaram frágeis, fugazes e maleáveis, tão líquidas como a água. Essa liquidez diz respeito as amizades virtuais, ao sucesso repentino, as várias possibilidades de identidade, entre outras coisas. Em contrapartida, um outro conceito está ganhando cada vez mais espaço nas discussões, a chamada ‘cultura do cancelamento’ tem sido uma pauta forte em 2021. Principalmente, após o início do reality Big Brother Brasil (BBB).

A estratégia do diretor do programa, que começou em 2020, de unir anônimos e artistas impactou o público que segue acompanhando e repercutindo os passos do que a Rede Globo define como a ‘casa mais vigiada do Brasil’. Até mesmo aqueles que não assistem ao programa, ouvem e conhecem os nomes dos participantes.

Manu Gavassi, que participou da edição do ano passado, segue fazendo comerciais que deixam a televisão mais colorida em horário nobre. Além disso, conquistou cerca de 16 milhões de seguidores no Instagram. Isso porque, ficou em terceiro lugar, garantindo um bom prêmio e ainda foi tida como uma das ‘queridinhas’ do público.

(Foto: Reprodução/Isto É)

Já em 2021, na eliminação da semana passada, o humorista gaúcho Nego Di foi eliminado com 98,76% de votos, o que no Twitter se chama ‘rejeição’. Ele já colecionava críticas por atitudes e falas mesmo antes de entrar no BBB, o que foi intensificado com a participação. Mas o que chama a atenção, é que ao invés de colocar o brother como eliminado, os internautas o chamaram de ‘cancelado’.

(Imagem: Reprodução/Twitter)

SER OU NÃO CANCELADO

Tiago Leifert, apresentador do programa, chegou a desenvolver uma dinâmica. O resultado virou uma brincadeira, pois apesar da palavra estar diariamente na boca dos participantes, ninguém sabia ao certo definir o que significa.

O cancelamento ou ser cancelado tem relação direta com atos e falas que não são tolerados no mundo atual, como racismo, machismo, intolerância religiosa, entre outros. No entanto, as pessoas possuem culturas e vivências diferentes, o que pode gerar diferentes formas de posicionamento. Desse modo, o conceito de cancelamento está ligado a ideia de ‘punição’. Muitas vezes alguém é cancelado apenas por ter uma opinião diferente dos outros. Relacionado ao BBB, isso toma outras proporções, como explica o psicólogo Silvio Ortiz.

Eu havia assistido apenas as primeiras edições e depois nunca mais acompanhei, esse ano acabou me chamando a atenção em função de questões comportamentais e psicológicas bem marcantes, daí tenho visto mais de perto. O programa, apesar de não ter essa finalidade, acaba por ser uma espécie de experimento social, nisso muita coisa pode ser observada, pensada e debatida.

Apesar de apresentar discursos discutidos na sociedade, o BBB não é um modelo que segue a risca o que se vive, visto que são perfis previamente selecionados dentro do que o diretor julga como necessário.

Mas, o psicólogo demonstra tipos que representam frações de integrantes dessa sociedade.

Como demonstra Chimamanda Ngozi Adichie, em sua palestra ‘O perigo da história única para a plataforma TED, corremos sério risco de equívoco quando perdemos a percepção do todo. Assim, criando bolhas de opinião onde o aplauso é fácil e o contraponto praticamente inexistente. O programa mostra um ativismo exacerbado, chocando muitas vezes até os próprios militantes que agora assistem de fora. Isso, quando inserido na sociedade, tende a enfraquecer as causas diversas pelo que se luta, tirando-as de contexto, aplicando dentro de interesses pessoais, tentando forçar pautas do que inseri-las. Dessa maneira, promovendo um grande desserviço às questões pelas quais se luta, sejam quais forem.

Sendo assim, a responsabilidade por discursos preconceituosos deve ocorrer, mas dentro do limite para que não se oprima. Ou seja, não se deve tolerar preconceitos, mas também é preciso ter cautela. Afinal, já dizia Paulo Freire, “quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor”. Ortiz continua a afirmação, apontando que muitas vezes o erro aparece, ou as falas ‘infelizes’ pelo estresse que o programa causa. “Há integrantes que já foram considerados como personalidades tóxicas, até mesmo narcisistas. Fechados naquele microcosmo, com visões parciais, disputa, alta carga de estresse, privações de fome, sono, incitados ao conflito, podem mostrar muitas vezes sua pior face, mesmo sabendo que são observados de fora”.

Há quem diga que o certo é esperar que a ‘poeira baixe’ e os cancelados se reinventem. Mas, nos últimos dias, o que também chama atenção no Twitter, são os posts que alertam: o programa acaba quando a pessoa sai pela porta da Globo, e, o cancelamento também deve acabar ali. Afinal, é errando que se aprende e descancelando que se conhece.

(Imagem: Reprodução/Twitter)

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Antunes

Jornalista

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