22/08/2023
Brasil

Da Solidão à Desobediência Civil

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Dia 14 de maio de 1849 é publicado por Henry David Thoreau sua obra originalmente chamada Resistência ao Governo Civil, no periódico Aesthetic Papers. Após sua morte, a obra é então renomeada como Desobediência Civil.

O livro em si foi pensado após Thoreau ser preso ao decidir-se por não pagar impostos recusando-se a financiar os EUA escravagista e em guerra contra o México. Sua tia paga a fiança, e após passar apenas uma noite, decide escrevê-lo.

Antes disso já havia passado alguns anos vivendo sozinho à margem do lago Walden plantando batatas e outros itens em uma casa que ele mesmo construiu com poucos móveis. Thoureau foi para a mata

"porque queria viver deliberadamente,

enfrentar apenas os fatos essenciais da vida

e ver se não poderia aprender o que ela tinha a ensinar,

em vez de, vindo a morrer, descobrir que não tinha vivido."

Essas duas lições nos deixa Thoreau, e eu as ensino agora. A resistência/desobediência ao governo civil e o isolacionismo autossustentável.

Eu fiquei profundamente abalado com a notícia do pai que matou seu filho por divergência política e precisei repensar muita coisa sobre nosso atual momento político. Minha solução encontrei em Thoreau.

Decidi que o isolacionismo é no momento uma saída a ser considerada. É um momento para profunda reflexão e não se reflete em bando, qualquer aluno do primeiro semestre de filosofia sabe.

Creio ser hora de irmos pra nossos cantos pensar sobre os últimos meses que vivemos de modo menos emocional. Tentar explicar para nós mesmos o que se passa no País sem nem sequer cogitar usar as palavras petralha, coxinha, Dilma, Temer. Eu quero dizer pensar no sentido mais humano que podemos ser capazes de pensar.

Pensar coisas como:

"Puxa vida, estou xingando um desconhecido na internet… foi isso que minha mãe me ensinou?"

"Caramba, eu desejei que fulana fosse estuprada e morta por não pensar como eu penso sobre política… isso é correto?"

"Quando eu vejo alguém que não concorda comigo na rua, sinto vontade de bater nessa pessoa… esse desejo é normal?"

"Não consigo mais comer à mesa com meus pais/filhos porque nós discordamos quando o assunto é política… isso é saudável?"

Sacou? Coisas assim.

Em todos esses casos, a resposta precisa ser não. Ou então fodeu.

Não é normal desejar bater em pessoas desconhecidas nas ruas, nem saudável não poder passar tempo com a família, não é correto desejar que alguém seja morto e estuprado por discordância política e tenho certeza que sua mãe não deve ter te ensinado a xingar pessoas a torto e a direito.

Pense, por favor pense, e depois repense e pense mais ainda. Até doer a cabeça e você ter uma crise de consciência. Thomas Khun, filósofo da ciência, nos ensina que a crise é o primeiro passo para a revolução.

E depois de pensar muito no silêncio, sem vozes na cabeça (sejam vozes do PT ou do PSDB, do Huffington Post ou da Veja, minha ou do seu pai), com apenas sua voz falando gentilmente a você mesmo, decida-se de modo livre e responsável se o que está acontecendo no País, neste momento, lhe parece aceitável. Não digo sobre política, digo sobre o sentido humano.

Digo sobre a volta dos flanelinhas nas calçadas pedindo um trocado para cuidar dos carros. Sobre as crianças que estão voltando aos faróis pedindo esmola. Sobre o aumento de pessoas que estão indo morar na rua.

Se você concluir que isso é errado, e que o modo como as coisas estão indo em nosso País irá piorar o quadro, você tem o dever moral de desobedecer de modo responsável e maduro qualquer governo. É um dever moral desobedecer a leis injustas, disse o reverendo Martin Luther King.

Se você é policial e concluiu que não é correto bater em crianças e adolescentes, não o faça.

Se você é professor e concluiu que é errado reprovar um aluno que discorda do seu posicionamento político, não o reprove.

Se você é o dono da empresa, mas concluiu que a reivindicação do seu funcionário é legítima por questões humanitárias, não por questões legais, não o demita.

Seja humano. Por favor, seja humano.

Ainda há tempo para nós todos sairmos dessa espiral de ódio, tristeza e confusão em que nos metemos, mas para isso será necessário perceber que para além de qualquer coisa somos todos humanos.

O que dói em você, dói em mim, o que te faz chorar me faz também, o que você quer, eu quero.

Quer dizer, falta-nos perceber que somos humanos.

Deixemos essa loucura toda pra lá. Não importa quantos likes você recebeu em seu meme com a cara do Lula, nem o vomitaço que você fez na página do governo federal.

Importa que ao cair da noite queremos um sono tranquilo, as contas pagas, comida na mesa e um amor legítimo.

E fim.

*Rafael Alves de Oliveira é filósofo, professor e criador do projeto "Filosofia de volta as ruas"

Cristina Esteche

Jornalista

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