22/08/2023
Cotidiano

Descaso ”impera” também no Bairro Primavera

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Guarapuava – Conversar com moradores do bairro Primavera é ver que não há exceção nos bairros da cidade quando o assunto passa por ruas esburacadas, falta de médicos, longas esperas para conseguir exames especializados, falta de transporte escolar, falta de creches e, principalmente, a violência. Brigas entre duas gangues são constantes, embora a Polícia Militar garanta por levantamento que não há ocorrências.
Outra situação predominante no Primavera, a exemplo de outros bairros nos quatro cantos de Guarapuava, é o medo de falar, de assumir a reclamação. ”A gente não pode falar nada contra a Prefeitura porque acaba perdendo projetos que estamos reivindicando”, disse um líder comunitário. ”Eu falo, mas não ponha o meu nome aí”, condicionou.
Com 12 mil habitantes, segundo o presidente da Associação de Moradores, Mario Fernando Scheidt, o bairro se ressente também com a falta de projetos de entretenimento e lazer para crianças, jovens, adultos e idosos.
A única quadra esportiva foi construída atrás da sede da associação e está abandonada. Pichações no muro, buracos na pista, telas arrebentadas, e matagal tomam conta do espaço.
”ós temos aqui uma escolinha de futebol de campo e ginástica para as mulheres no Espaço do Cidadão e na sede da associação. Mas precisamos de outras atividades que estão tudo no papel. A Prefeitura garante que vai nos ajudar. Estamos esperando”, afirmou. Um dos desejos do líder comunitário é construir um ”parquinho infantil e uma cancha de bocha”. De acordo com Scheidt, a associação, a vereadora Eva Schran e outras instituições do bairro estão reivindicando a estrutura para colocar os projetos em prática.
Com um comércio composto por micro e empresas de pequeno porte, o bairro onde vivem famílias, em sua maioria de baixo e médio poder aquisitivo, é separado da cidade pela BR-277. ”Aqui predominam oficinas mecânicas, churrascarias, lojas e há um posto de combustível”, afirmou Mario Scheidt. Segundo ele, esse complexo comercial não absorve a mão-de-obra do bairro, provocando o desemprego. ”A maioria das pessoas trabalha no centro da cidade”, diz. ”Há muitos desocupados por falta de opção de trabalho. Isso leva às drogas e à violência”comenta Scheidt.
Há, porém, jovens ligados à Igreja Católica que se reúnem em eventos específicos.
A falta de infra-estrutura, aliada ao descaso da administração municipal, deixa o local numa situação de precariedade, principalmente da Avenida Bandeirantes para baixo, onde moram as famílias pobres.
Caminhar por aquelas ruas é ver esgoto a céu aberto, ruas com resquícios de pavimentação asfáltica, matagal. ”Estamos abandonados. Há mais de oito anos que não vemos uma máquina da Prefeitura. Não temos remédios no posto”, reclama Maria da Luz Vieira, que mora na ”Vila dos Macacos”, na rua Iolanda Stefanes.
A precariedade da saúde pública municipal no Bairro Primavera é pauta constante nas discussões durante os encontros mensais do Movimento das Mulheres. ”As reclamações que mais ouvimos é a falta de pediatra, de fichas para as consultas, de exames especializados. Eu mesmo estou à espera de um ortopedista desde setembro do ano passado”, disse dona Neuci Morosko, do Movimento das Mulheres.
”Você pode ir no posto com a doença que for que o médico só receita paracetamol. Uma das mulheres contou que foi na Clínica da Mulheres em busca de exames e o médico nem olhou para ela e lhe deu uma receita. Isso é um descaso, uma falta de respeito”, diz outra mulher que faz parte do Movimento.
Outro clamor das mães, de acordo com a líder comunitária, é a falta de vagas na única creche do bairro. ”Esta creche não comporta a demanda do nosso bairro e ainda atende as mães do Xarquinho”, comentam.
Outra reclamação que permeia a comunidade é o ensino médio oferecer vagas somente à noite. ”São crianças pequenas que andam pelas ruas após as 23 horas porque duas escolas (municipal e estadual) funcionam num único prédio”, reclama uma mãe. ”A gente convive com brigas entre gangues todas as noites. São grupos que ficam em pontos-chave da avenida em atitudes suspeitas”, diz uma das mães.

Gangue dos Macacos x Gangue dos Doutores
O esgoto corre a céu aberto em vários pontos da baixada, no lado esquerdo da Avenida Bandeirantes, facilitando a proliferação de mosquitos ”borrachudos”. As casas são muito simples e retratam as condições de miserabilidade da maioria das pessoas que moram nesse pedaço do bairro Primavera. Assim como o nome sugere, não há flores. O que existe é um matagal, ruas esburacadas, desemprego.
É nesse cenário que vivem os membros da ”Gangue dos Macacos”, um grupo que faz frente à rival ”Gangue dos Doutores”, denominação por se julgarem os ”bons da boca”, segundo explicações de moradores. Esse grupo mora na “invasão”, um aglomerado de casas ao lado de cima da avenida.
”Aqui é chamado de Vila dos Macacos porque somos ‘morenos’”, diz uma moradora que pediu para não ser identificada. O pedido da mulher de 54 anos encontra fundamento em outros moradores do bairro que temem tocar no assunto. Inclusive, vários pedidos foram feitos para que a equipe da TRIBUNA/REDE SUL DE NOTICIAS não fosse atrás dos membros das gangues por ser ”muito perigoso”.
”Aqui é um terror. Quando começa a escurecer pego as minhas três filhas e tranco a casa por causa da briga entre os ‘macacos’ e os ‘doutores’. Os nossos aqui só querem defender o nosso território quando os outros querem invadir”, comenta a senhora. Na casa ao lado, debruçado sobre o portão, um adolescente ouvia atentamente a conversa enquanto falava no telefone celular.
”Eu moro aqui desde criancinha e a violência está cada vez maior. Tive que mudar de casa porque nos sábados à noite era chuva de bala que passava por cima da casa”, contou outra moradora, 29 anos de idade. ”São tudo uns drogados [sic]. Ficam fumando crack atrás da casa da gente e depois tomam conta da avenida. Há muita bebedeira também”, diz um senhor.
”Tem uma senhorinha que teve que se mudar daqui porque seu filho brigou e atearam fogo na casa dela. A gente vive com medo”, diz outra moradora. Na ”invasão” (denominação dada ao conjunto de casas construído após ocupação irregular), o silêncio também impera. Uma mulher concorda em falar, mas quando começa a conversa, jovens e adultos vão aparecendo de dentro das casas e a mulher se intimida. Em tom alto para se fazer ouvir muda o rumo da conversa e diz que não sabe de nada. Mas antes confirma a existência da gangue e a briga com os ‘macacos’.
O assessor de imprensa da Polícia Militar, Juliano Klosovski, disse que a PM desconhece a existência de gangues no bairro Primavera. ”O que existem são grupos que ficam na Avenida Bandeirantes. Essa denúncia não tem fundamento. Desconfiamos que haja ponto de venda de droga”, afirmou. Ele diz que ”quando possível, a PM atende as ocorrências”, e que uma viatura está no bairro a todo o momento. ”O que acontece são rixas nos finais de semana”, afirma.
A pedido da TRIBUNA/REDE SUL DE NOTICIAS o policial fez um levantamento das ocorrências policiais no bairro Primavera nestes três primeiros meses de 2010. Não houve nenhum registro de disparo de arma de fogo; nenhuma rixa e apenas uma lesão corporal.
De acordo com moradores, quando a polícia está chegando os grupos se dissolvem rapidamente e tão logo a viatura deixa o local a confusão recomeça.

Serviço

A PM solicita a colaboração da comunidade. Denúncias podem ser feitas pelo telefone 190.

Cristina Esteche

Jornalista

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