A Polícia Federal (PF) deflagrou hoje (7) a Operação Torre de Marfim, que investiga desvios de recursos públicos federais destinados a projetos de pesquisa desenvolvidos por fundações de apoio à Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Na ação, cerca de 90 policiais federais, servidores do Tribunal de Contas de União (TCU) e do Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) cumprem 20 mandados em Florianópolis e Balneário Camboriú. Quatorze deles são de busca e apreensão e seis de condução coercitiva.
De acordo com investigações da Polícia Federal, houve contratação de serviços sem licitação prévia, pagamentos a empresas que estariam vinculadas a servidores da universidade ou das fundações de apoio, além de pagamentos a empresas fantasmas dos ramos de turismo, transporte, hotelaria. Profissionais autônomos também teriam sido beneficiados no esquema. O ponto de partida para a apuração foi um documento emitido pela reitoria da universidade com base em dados levantados pela CGU, que detectou irregularidades em projetos de pesquisa desenvolvidos em 2003 e 2004.
Entre os suspeitos estão dois servidores da instituição de ensino que, como coordenadores de projetos, teriam movimentado R$ 300 milhões em contratos, entre 2010 e 2017. Um terceiro servidor, aposentado e que também exerceu a função de gestor de projetos, conseguiu firmar um contrato no valor aproximado de R$ 20 milhões para sua própria empresa, burlando o processo licitatório, ocorrido sem a licitação exigida. Um dos locais onde convergiram as irregularidades foi o Centro Tecnológico da UFSC, criado em 1960 e que atualmente é composto por dez departamentos. Os investigados responderão por crime licitatório, peculato, lavagem de dinheiro e improbidade administrativa.
Em coletiva de imprensa, Waldemir Paschiotto, secretário de controle externo do TCU, informou que servidores e um dos gestores de uma das fundações de apoio acusados já foram obrigados a devolver R$ 20 milhões ao erário.
Antes de encaminhar as informações à Justiça, a CGU e o TCU advertiram a universidade sobre as fraudes identificadas e deram oportunidade à instituição para regularizar os processos. A PF ressalta que, de acordo com levantamento da controladoria, a UFSC é o órgão catarinense recordista em recomendações para correção de irregularidades, acumulando cerca de 120 sugestões, quase o dobro do segundo colocado. O superintendente regional da CGU, Orlando Castro, destacou que, desse total de providências propostas, 35% são referentes às relações estabelecidas entre universidade e fundações de apoio.
A Operação Torre de Marfim é a segunda investigação que ocorre no âmbito da UFSC. Em setembro, a Operação Ouvidos Moucos foi deflagrada para desmantelar uma organização criminosa que desviava verbas destinadas a cursos da Educação a Distância da universidade. O reitor da universidade à época, Luiz Carlos Cancellier, chegou a ser preso e, em outubro, já em liberdade, Cancellier cometeu suicídio, no Beiramar Shopping, em Florianópolis.
CRÍTICAS
Na noite de ontem (6), o reitor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Ricardo Marcelo Fonseca, criticou as recentes operações em universidades do país em uma declaração intitulada “Um ano de ataque contra as universidade públicas brasileiras”.
No comunicado, ele cita a Operação PhD, deflagrada ontem pela PF para combater desvio de recursos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e também a Operação Esperança Equilibrista, que conduziu coercitivamente o reitor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Jaime Arturo Ramirez, e a vice-reitora, Sandra Goulart Almeida. Para Ricardo Marcelo Fonseca, foram instalados um “clima policialesco” e uma “mentalidade inquisitória”.
Na avaliação de Fonseca, as operações nas universidades mancham um ambiente em que se operam “milagres cotidianos” na formação de pessoas, na ciência, na tecnologia, na inovação e na inclusão social. Ele condena o que classifica como “moralismo administrativo” e “sanha punitivista” e completa dizendo que garantias e direitos individuais estão sendo “colocados como detalhes incômodos e inconvenientes”, em um cenário que acomoda arbitrariedades e excessos e um número de agentes compatível com “conflito armado”.
“O momento é de fato grave: enquanto deputados ou senadores filmados em flagrante delito por graves desvios são soltos pelos seus pares, reitores têm sua liberdade cassada. A sociedade deve, com muita premência, pensar que tipo de mundo pretende construir quando instituições como as universidades públicas (responsáveis por cerca de 90% da ciência e tecnologia do Brasil) são demonizadas, expostas, desrespeitadas e quando seus dirigentes são imolados publicamente”, sintetiza Fonseca na carta.