sexta-feira, 30 de mai. de 2025
Cotidiano Guarapuava Thiago de Oliveira

Desvitalização

Um ano depois, obra da XV de Novembro deixa como legado o vazio: de sentido, de história, de gente

Por quê? (Foto: Thiago de Oliveira/RSN)

Diziam ser um projeto audacioso. Que a revitalização da rua XV de Novembro atrairia mais gente (mais consumo), mais vida.

O que se vê hoje é um vazio.

A nova arquitetura não se integrou ao espaço. Ela o esvaziou. De gente, sim, o fluxo diminuiu. Mas principalmente de sentido. O que chamaram de progresso, na prática, foi a substituição da identidade e da história por cimento novo.

Trocaram o petit-pavé por paver liso e frio. Cercaram a calçada com estacas de ferro hostis e mal colocadas. Levantaram um novo e solitário quiosque — ainda inoperante — hermético, espelhado.

Sempre dão um jeito de colocar espelho.

Como escreve Marc Augé, os lugares deixam de ser identitários, relacionais e históricos e se tornam somente funcionais. Não-lugares. Vias de passagem sem memória, áridas.

A promessa era revitalizar. Mas revitalizar o quê, se o que dava vida foi arrancado? Árvores centenárias, que faziam sombra e também abrigavam pássaros, vida. O que ficou é um corredor de concreto que repele em vez de acolher.

No fim das contas, não melhorou a mobilidade. E não, não precisava disso para tornar a rua mais acessível. Para que esta obra? Para quem?

O urbanismo de gabinete, feito longe do chão da cidade, impõe soluções genéricas para problemas complexos. Trata-se da lógica que a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik há tempos denuncia: a cidade tratada como empresa. Em vez de preservar a identidade urbana e fortalecer vínculos, reproduz-se um modelo neoliberal estandardizado, que enxerga o patrimônio como entrave.

Pior: neste caso, nem mesmo o mercado, que teoricamente deveria ser beneficiado, foi ouvido. Comerciantes que enfrentaram meses de poeira e lama agora veem menos gente circulando.

Guarapuava já perdeu a antiga prefeitura, a Casa Missino, o casarão da rua Guaíra. Tentaram até arrancar os paralelepípedos históricos da rua Visconde de Guarapuava. A Praça 9 de Dezembro agora está encoberta por uma mureta cinza e um corrimão enorme. Em frente, uma pavimentação feia e disfuncional.

Temos uma reforma do Vale do Anhangabaú para chamar de nossa! A sanha desenvolvimentista demoliu nossos casarios e palácios históricos. Pouco a pouco, vai apagando o que sobrou.

E no fim, quando tudo está cimentado e pago, rompem-se os contratos. A revitalização prometida para oito quadras parou na segunda. Um fracasso anunciado.

O prejuízo também é concreto: quatorze milhões gastos nessa desvitalização, que comemora um ano do início das obras neste dia 14.

Thiago de Oliveira

Jornalista

Jornalista formado pela Universidade Estadual do Centro-Oeste. @tdolvr

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