22/08/2023

Diário da Coréia do Sul, por Aldo Bona

Recebi do reitor da Unicentro, Aldo Bona e compartilho:

 

 

Aldo Nelson Bona *

 

Terceiro dia em país oriental: a Coréia do Sul. "Do outro lado do mundo", como se diria aí no Brasil. Pensei: porque não escrever um pouco sobre as primeiras impressões? Eis algumas linhas.

Trata-se de um país impressionante. Diferente, como seria de se esperar, em relação ao que conhecemos no Ocidente. A começar pela densidade populacional: mais de 50 milhões de habitantes em um território não muito maior que o Estado de Pernambuco. Seoul, a capital, com todo o seu entorno, acumula aproximadamente 50% desse contingente populacional. É muita gente para pouco espaço. Por isso, as pessoas surgem de todos os lados. Pedestres, lojas, galerias, mercados montados no subterrâneo, para melhor aproveitamento do espaço. Como consequência, um trânsito bastante congestionado. E veja-se que muitos vão a pé ou com transporte coletivo para o trabalho. São muitos ônibus, trens, metrô, com frequência de horários variados, contínuos e pontuais. E lotados. Não com a lotação que se costuma ver  no Brasil, de pessoas em pé, num empurra-empurra sem parar, mas cheios de pessoas sentadas e poucos em pé. Em muitos ônibus, como disse.

Mesmo com variado e amplo transporte coletivo, o trânsito é denso. Bem organizado, é bom que se diga, mas denso o bastante para alguns trechos de lentidão. Ainda assim, porém, o pedestre tem preferência absoluta. Nas pequenas conversões que não têm semáforo, pedestre na faixa tem preferência. Todos os carros param. E são muitos pedestres, assim como são muitos os carros. Por outro lado, nos cruzamentos com semáforos, nenhum pedestre atravessa sem que o sinal esteja aberto para ele. Mesmo no final de semana (cheguei aqui numa sexta feira à noite, dia 14), em que o trânsito diminui e, por vezes, o cruzamento fica sem nenhum carro à vista de lado algum, os pedestres esperam (e aglomeram-se) pacientemente até que o sinal lhes autorize a dar os passos urgentes e necessários. E ninguém atravessa uma rua a não ser pela faixa. Mesmo com cuidadosa observação não pude ver um pedestre sequer atravessando a rua fora da faixa para encurtar o  caminho. Mesmo a vontade de um pequeno grupo de brasileiros cansados que queriam chegar logo ao hotel, que se encontrava à frente, do outro lado da rua, não conseguiu vencer a vergonha de escandalizar um grande contigente de pedestres que sempre vai até a esquina para atravessar na faixa, mesmo que tenha que caminhar muito mais. Eu estava entre esses brasileiros. A vergonha foi maior que o cansaço e a caminhada foi aumentada em mais de 300 metros para respeitar as faixas de pedestres.

Educação para o trânsito, sem dúvida. Questão cultural, se diria, acertadamente, de meu ponto de vista. Entretanto, como esse costume foi adquirido e tornou-se cultura? Pergunta para a qual não é possível uma resposta de simples observador ocasional, mas outro elemento chamou-me a atenção: o alto contingente de policiais. Em todas as ruas e recantos por onde passei, eu e colegas nos surpreendemos com o número de policiais por todos os lados. São muitos. E respeitados. Nenhum armado com nada além de um pequeno cacetete. Policial inserido no bairro e no convívio familiar, comentou o embaixador brasileiro Edmundo Fujita, com quem tivemos o prazer de almoçar no domingo (16). O policial toma conta das coisas do bairro e interage com a população, de modo que qualquer movimento ou pessoa estranha ao cotidiano é facilmente notado e observado.

Mas, voltando ao trânsito: talvez porque cada um faz a sua parte e na sua vez, contrastando com esse clima de trânsito organizado, o motorista coreano não tem se revelado cortês. Ninguém dá espaço a ninguém. Tudo é disputado a aceleradas e buzinadas. E, como disse, são muitos carros. Carros novos, vistosos e confortáveis. Kia e Hyundai prevalecem enormemente, numa clara expressão do orgulho coreano de sua indústria automobilística. Os modelos mais luxuosos dessas marcas comercializados no Brasil são absolutamente comuns no trânsito. E outros que ainda não conhecemos em nosso país. É claro que os preços são muito diferentes. Um luxuoso e sofisticado Sonata, caro e cobiçado no Brasil (penso que na casa dos 100 mil reais), segundo informações de assessor da Embaixada, é adquirido por 14 mil dólares, o que não chega a equivaler a 30 mil reais.

E por falar em dinheiro, a moeda aqui e o Won. São necessários mil wons para equivaler a um dólar. Quase quinhentos wons para um real. Qualquer compra aqui, portanto, é acompanhada de muitos zeros. Toma-se uma dose de uísque no bar do hotel Somerset por 8 mil wons. Uísque que no Brasil se pagaria de 13 a 20 reais a dose, conforme o bar que se frequente. O preço é, portanto, praticamente o mesmo, mas os zeros assustam. 

E por falar em bar, ou lanchonete, ou restaurante, é curioso que em alguns estabelecimentos (vi isso em dois, dos três que frequentei para comer e beber) a chegada de qualquer novo freguês é animadamente anunciada em voz alta pela recepcionista e coletivamente saudada num coro animado por todo o pessoal de serviço. É claro que não se pode ter a mínima ideia do que é que dizem, mas uma recepcionista respondeu, em inglês, porque a língua coreana é, para nós, incompreensível, que se trata de uma saudação de boas vindas. Bom costume. Penso que se encaixaria bem no jeito brasileiro animado de ser. Mas não há bares nas ruas. Nos arredores do hotel, que fica em região central, temos caminhado sem encontrar nada. O cansaço do dia de trabalho nos faz voltar a um dos bares do hotel, que não deixam nada a desejar.

Bar, restaurante, lanchonete, lembra comida. Como é? Poderíamos dizer que a cozinha dos bares coreanos é bastante internacional. Pode-se escolher pratos muito conhecidos em qualquer parte do mundo. Mas o tempero é especial. Quem sofre com a pimenta, certamente sofrerá com a comida coreana, seja o prato que for. Mas o sabor é sempre dos melhores. Comida típica, porém, é tão curiosa quanto o país. À base de arroz, peixe e muita verdura, a comida típica coreana é variada. E muito apimentada. Em um almoço típico oferecido pela mais antiga universidade da Ásia, com mais de 600 anos de existência, tive o prazer de experimentar muita coisa das quais não sei o nome. Mas senti minha boca queimar inúmeras vezes. Há coisas que após a primeira “beliscada” precisei rejeitar. E tomar muita água, ou cerveja local, de sabor agradável e teor alcoólico imperceptível. Mas aprendi que, de acordo com a tradição coreana, você nunca deve servir a própria bebida. Serve a todos os do entorno e espera que outro sirva para você. E para evidenciar respeito maior ainda, segura-se a garrafa da bebida com as duas mãos para servir a quem está ao seu lado.

E o povo? Acolhedor? Simpático? O coreano das ruas anda como se você não existisse. O coreano da prestação de serviços se abre em sorrisos para te receber. O que te recebe em qualquer lugar é tão prestativo a ponto de não se poder descrever com poucas palavras. Na prestação de serviços há sempre um ou outro que fala inglês. Particularmente os mais jovens. Mas na rua nem sempre é possível trocar uma idéia ou pedir uma informação. Só se fala o coreano. E, repito, não dá para entender uma palavra. Até o bom dia é quase como uma frase inteira que não se pode decorar. O muito obrigado é complicado demais para ser repetido. Encontrei pessoas que moram aqui há mais de cinco anos e que confessaram não falar uma palavra sequer em coreano. Dá para se viver em inglês, portanto. Mas encontrei pessoas que estão aqui há pouco tempo e já pronunciam algumas palavras, com bastante estudo, é claro.

E as Universidades? São muitas e fortes. Mas isso é um caso à parte que requer outro texto. As visitas “acabaram de começar” e as impressões já são as melhores. Querem receber estudantes brasileiros e precisamos fazê-los vir. Há muito o que se aprender.

Escrevi enquanto viajávamos para visitar a Universidade SKKU. Chegamos. Preciso parar.

 

* Reitor da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro) e presidente da Associação Paranaense das Instituições de Ensino Superior Público (Apiesp), está em missão educacional oficial à Coréia do Sul nessa segunda quinzena de junho

 

 

Cristina Esteche

Jornalista

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