sexta-feira, 18 de jul. de 2025
Cotidiano Esportes Thiago de Oliveira

E o Mundial, deu certo?

Gianni Infantino sorri. Maquiavelicamente, se quiserem imaginar. E eu, que sou só um pouco bobo, aproveito esse torneio maravilhoso

Fluzão se classificou para as oitavas (Foto: Reprodução/@rnporai)

Enquanto os bilhões de dólares circulam nos bastidores do Mundial de Clubes, envolvendo fundos soberanos, acordos de mídia e alinhamentos geopolíticos entre Arábia Saudita, EUA, Fifa e Uefa, Gianni Infantino sorri. Maquiavelicamente, se quiserem imaginar. E eu, que sou só um pouco bobo, aproveito esse torneio maravilhoso.

O presidente da Fifa sonhava reunir os principais times de cada continente em uma competição nos moldes da Copa do Mundo de seleções. Mas a ideia não se sustentava financeiramente. E a Uefa não queria uma competição entre clubes que pudesse ser maior que a Champions League.

Parte da solução veio como quase tudo no futebol atualmente: da grana do petróleo. A aliança com a Arábia Saudita — país que já havia comprado o Newcastle da Inglaterra por meio do Fundo Soberano da Arábia Saudita, além de manter clubes-estatais, como o Al Nassr de Cristiano Ronaldo — foi o que sustentou o sonho de Infantino.

E aqui reproduzo a análise do ótimo perfil Copa Além da Copa: a Fifa vendeu os direitos de transmissão do torneio por 1 bilhão de dólares para a plataforma DAZN. A negociação, porém, foi arrastada. O interesse do mercado era tímido, e o torneio quase não ocorreu neste ano. A venda só foi fechada em dezembro. Uma semana depois, a Arábia Saudita foi confirmada como sede da Copa do Mundo de 2034. E em fevereiro, o DAZN anunciou a venda de participação ao braço esportivo do PIF, o fundo soberano saudita.

Mais: o PIF também entrou como patrocinador oficial do torneio — ao mesmo tempo em que é dono do Al-Hilal, um dos clubes participantes. A Aramco, gigante estatal do petróleo, já era parceira da Fifa. E até a Qatar Airways, estatal do país vizinho, foi anunciada como patrocinadora de última hora, às vésperas do Mundial.

E os EUA?

Quando assumiu, Infantino herdou uma entidade fragilizada pelos escândalos de corrupção da era Blatter. O FBI havia entrado em cena. Para não repetir o fim do antecessor, o cartola se aproximou de Donald Trump e do establishment estadunidense. A Copa de 2026 foi para os EUA. O Mundial de Clubes também. Os Estados Unidos, que mal ligam para o “soccer”, infelizmente se tornaram sede de um dos torneios mais divertidos que já assisti enquanto fã de futebol. E meu time, Corinthians, nem está lá.

América do Sul, pátria grande

A primeira fase do Mundial termina no dia em que escrevo esta coluna. Dos quatro clubes brasileiros na competição, todos avançaram às oitavas de final. Torço para que todos, exceto o Palmeiras, cheguem longe.

A percepção geral, ao menos fora da Europa, é que o Mundial deu certo. Quando criança, eu criava torneios assim no videogame. Era lindo vencer os europeus jogando com o meu Coringão no PES. Nas últimas semanas, acompanhamos algo raro: uma inesperada união sul-americana. Até argentinos torcendo por brasileiros e vice-versa. Brasileiros deixando a rivalidade de lado. Vibrei (muito) com o Botafogo vencendo o PSG, com o Flamengo batendo o Chelsea, até com o empate do Fluminense contra o Borussia Dortmund.

O Fluminense de Renato Gaúcho colocou os alemães na roda. Que frase! Nas redes, a velha disputa de narrativas com os portugueses também apareceu. Os tugas juram que um Benfica ou um Porto da vida venceriam o Brasileirão com facilidade. Vimos que não é bem assim. Como alguns jornalistas andam dizendo, e já virou até clichê, este Mundial serviu para recuperar nossa autoestima. Crescemos achando que a Champions League era coisa de outro planeta. Mas o futebol é muito mais nivelado do que parece.

E que bonito ver tantos países torcendo contra a Europa! Contra essa Europa que subestima, mas que há décadas depende do talento de sul-americanos e africanos. Que vem aqui com seu dinheiro — colonial, petroleiro, monárquico ou vindo de fundos obscuros — para levar nossos craques tão logo completem 18 anos. O que seriam os gigantes europeus sem nossas estrelas?

Antes da Lei Bosman nos anos 90, pontapé para a contratação irrestrita na Europa, o futebol brasileiro sobrava. Hoje, exportamos nossas maiores promessas ainda muito jovens. E mesmo assim o Flamengo amassou o Chelsea e seu elenco de mais de 1 bilhão de euros. É para acabar de vez com qualquer complexo de vira-lata.

Continuidade

Claro que há muito por trás. Trouxe todo esse pano de fundo político porque ele é essencial. É perigoso o quanto Infantino está disposto a vender o futebol. A última Copa do Mundo de seleções foi no Qatar, país que bate recordes em desrespeitar os direitos humanos. Os próprios EUA estão utilizando o esporte como armadilha para prender e deportar imigrantes. A beleza de um torneio como esse, infelizmente, só existe graças a articulações de bastidores que por vezes colocam o jogo em segundo plano.

Não sou ingênuo em achar, também, que o dinheiro do futebol brasileiro, ainda mais agora com as SAFs, não tenha origem obscura. Enfim! Se o alinhamento conseguido por Infantino continuará após esse Mundial, é difícil prever. Os europeus reclamaram muito do calendário, do desgaste, do timing. É fim de temporada por lá. Essa, aliás, é a desculpa repetida quando são surpreendidos por sul-americanos. Mas o fato é: Infantino conseguiu o que queria. Articulou bem, entregou o espetáculo. Vou aproveitar enquanto durar.

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Thiago de Oliveira

Jornalista

Jornalista formado pela Universidade Estadual do Centro-Oeste. @tdolvr

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