Trago aqui um pequeno recorte da filosofia antiga para animar nossas discussões políticas. É dificílimo estabelecer o que é de Sócrates e o que não de Sócrates, pois tudo ou quase tudo que sabemos deste pensador nos chegaram por autores diversos, mas em especial por Platão.
Há uma máxima, creditada a Sócrates que diz: “Ninguém peca voluntariamente: quem faz o mal, fá-lo por ignorância do bem, de modo a considerar impossível conhecer o bem e não fazê-lo. Quando faz o mal, na realidade não o faz porque se trate do mal, mas porque daí espera extrair um bem”. Prendo-me aqui ao juízo: ‘impossível conhecer o bem e não fazê-lo”. Contextualizando com o momento que vivemos e tendo como horizonte nossos representantes do legislativo municipal, fica a pergunta:
Sabem ou não sabem ? Conhecem ou não conhecem ? São esclarecidos ou não ?
Ora, o que é pior: conhecer e não fazer ou não conhecer e também não fazer ?
Dependendo das respostas que tivermos, podemos então interpretar a máxima socrática para x ou para y.
Faz dias escrevi um pequeno comentário sobre o que esperar de nosso legislativo. Recebi críticas pontuais, nevrálgicas. Sem problemas.
Tomo a liberdade de aqui reproduzir e submeter ao juízo do leitor, parte do texto:
“Não se tem muito o que dizer do Legislativo local. (…) Individualmente, os atributos dos Vereadores, suas trajetórias profissionais, o processo de ações que os mesmos construíram em suas histórias particulares até chegar à eleição individual, é muito superior ao que externalizam enquanto instituição. Individualmente são muito melhores que coletivamente. O silêncio e o anonimato de alguns chega a ser escandaloso. Talvez, em um comparativo com o legislativo anterior, imaginava-se que o cenário seria outro. Vivem de tarefas pequenas, de apoiadores ou negadores das decisões do Paço Municipal, mas sem originalidade e identidade própria. Com raras e honrosas exceções, assistismos de camarote uma ampla maioria pacífica e corporativista do Paço Municipal e uma minoria que, dia após dia, perde energia e acaba se assumindo fundamentalista de uma causa política caciquista, evidenciando uma saudade gigantesca de outros tempos. A grosso modo, tentando encontrar um diferencial em relação a legislaturas anteriores, vê-se uma maior aceitação em discutir coisas públicas, sem contudo, serem resolutivos. Estão perdendo uma grande oportunidade de serem ousados, diferentes e com capacidade de interferência no ciclo natural das coisas públicas. Se não tomarem o remo, correm o risco de ficarem mais invisíveis do que parecem ser. Há tempo para se recuperarem e mostrarem para que vieram, sob pena de termos uma renovação em 2016 muito maior do que a que tivemos em 2012. Não se trata de denegrir a imagem da casa, mas sim, de querer vê-la como uma casa do verdadeiro interesse público. Estou errado ?”
Tentando ser justo, evidente que os nobres edis são ainda merecedores de crédito e representam todos nós. Está claro que esta gestão difere da anterior e zela pela idoneidade de diárias e gastos públicos. Disparadamente realizaram mais audiências públicas que outras três legislaturas juntas. Não é isto que está em questão. A observação que faço é que o fundamentalismo ou o bairrismo de alguns à estrutura política não devesse ser tão ufanista. Seus nomes estão acima de coisas menores e deveriam como guardiões do município, se necessário, escancarar imperfeições que podem ser facilmente observadas a ponto de brigar por causas maiores, e não um indiferentismo suspeito. Escrevi outro dia, é preferível ser amigo da verdade que amigo de Platão. Este comportamento, corriqueiro no meio, senão ajustado, pode causar danos à cidade.
Tenho em mente que os verbos legislar, fiscalizar, representar e informar os cidadãos tem sido, em grande parte, substituídos pelos verbos ‘concordar’, ‘justificar’ ou ‘negar’, acompanhados do ‘cegamente’ ou então com ‘certa miopia’. Não tenho dúvida que a Câmara Municipal mais colabora com a atual gestão que o seu contrário. Há casos que colaboram tanto que esquecem-se de cumprir seu real papel, distanciando-se da essência de sua real missão.
Ao gastar energia concordando ou justificando ações do Executivo prestam-se mais ao papel de coadjuvantes e instrumentos, portando-se como menores, dependentes e manipuláveis do que propriamente autônomos e sujeitos de seus próprios mandatos. Da mesma forma, ao negarem por negar e resistirem por resistir, também cegamente, prestam-se como acessórios de um poder paralelo.
Esta Casa de Leis não deveria ser situação, nem oposição, apenas ser ela mesma. Já a imprensa, segundo Millôr Fernandes, por si só, deveria ser mais oposição que propriamente situação, pois do contrário seria um armazém de secos e molhados. Nenhum executivo tem apreço por legislativo independente. Isto é compreensível considerando nossa cultura presidencialista, bastante arraigada. Por outro lado, o jornalismo independente, vital nos dias de hoje, tem a missão de dizer aquilo que nem sempre interessa ao poder de plantão e isto é, em meu entendimento, pedagógico.
Há uma cidade no Paraná que inovou. Lá cada Vereador é responsável em monitorar e acompanhar de perto, ao menos, uma Secretaria Municipal e semanalmente relatar aos pares e à comunidade se a mesma está sendo eficaz ou então tendo um desempenho abaixo da média. Trata-se de um bom exemplo que pode ser seguido nestas terras. O corpo a corpo não faz mal a ninguém e tem grande chance de combater o relaxamento moral.
Como escreveu Nietzsche: “… com a ajuda da moralidade, do costume e da camisa de força social, o homem foi realmente tomado confiável”.
Há muitos edis bem intencionados. Disto não tenho dúvida, mas por alguma razão, em determinado momento, acabam mudando de compreensão e de entendimento, comprometendo-se com outros discursos e não conseguem superar a crise do contra-discurso. Chamo isto isto de “perda da confiança na efetividade do discurso comprometido”. Estou certo ?
Professor Dr. Claudio Andrade. Departamento de Filosofia da UNICENTRO
Mestreclaudio@uol.com.br
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