22/08/2023


Guarapuava Paraná Saúde Tecnologia

Em Guarapuava, pesquisa da Rede Genômica pode trazer respostas à covid-19

O coordenador da Rede Paranaense de Pesquisa Genômica e idealizador do Vale do Genoma, diz que os estudos vão ajudar no tratamento de doenças

Vale do Genoma

Em Guarapuava, pesquisa da Rede Genômica pode trazer respostas à covid-19 (Foto: Geraldo Bubniak/AEN)

*Reportagem com vídeo

O Paraná está consolidando uma estrutura para avançar nos estudos genéticos, o que pode trazer repostas mais sofisticadas e acertadas no tratamento de doenças. E sempre com foco na necessidade de cada indivíduo. Em julho do ano passado, o Estado implantou a Rede Paranaense de Pesquisa Genômica, que faz parte do Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação Genômica (Napi Genômica).

Além disso, no início deste mês, o grupo passou a compor a Rede Corona-ômica Brasil, uma rede nacional que permite o compartilhamento de análises genéticas de pacientes infectados pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2). Na quinta (18), foi dado início ao Vale do Genoma, um ecossistema de inovação instalado em Guarapuava.

Dessa forma, o Vale do Genoma será voltado diretamente à pesquisa genômica e à inteligência artificial aplicadas à área da saúde. No entanto, também terá foco na agricultura e na pecuária. O projeto conta com a participação do Governo do Estado, por meio da Superintendência Geral de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e da Fundação Araucária, da academia e da iniciativa privada.

Assim, a partir do memorando assinado, Guarapuava tem até 90 dias a contar da data da assinatura do documento, para constituir o Conselho Curador, órgão que vai regular o ‘Vale do Genoma‘. De acordo com o Memorando de Entendimento (MOU), também deverá ser constituído um fundo de investimentos. Esse fundo vai apoiar o desenvolvimento de ‘startups’. Duas empresas já irão aportar o capital inicial: os grupos Repinho e Jacto.

PESQUISAS GENÔMICAS

Um dos principais nomes da área no Estado é o médico e professor David Livingstone Figueiredo, chefe do Departamento de Medicina da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (Unicentro), coordenador da Rede de Pesquisas Genômicas e diretor-presidente do Instituto de Pesquisa do Câncer de Guarapuava (Ipec). Além disso, ele é um dos idealizadores do Vale do Genoma.

De acordo com Livingstone, os estudos genéticos são o grande avanço da medicina, que tratará no futuro, cada paciente individualmente, de acordo com as características genéticas de cada um. Conforme a Agência Estadual de Notícias, o estudo também ajuda a entender, no presente, o desenvolvimento do novo coronavírus, as variantes do SARS-CoV-2 e quais respostas podem ser aplicadas a elas. O Paraná é um dos primeiros Estados do Brasil a formatarem uma Rede de Pesquisa Genômica com foco na covid-19.

A Napi Genômica conta com a participação das sete universidades estaduais, da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e de algumas instituições de ensino superior privadas, como a PUCPR e as Faculdades Pequeno Príncipe. São 17 instituições, além de parceiros como a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Estadual Paulista (Unesp) e a Faculdade de Medicina de Marília. Temos vários projetos desenhados nessa área, começando pelo Napi Genômica, que congrega mais de 200 pesquisadores do Estado. O projeto está focado atualmente no estudo da Covid-19 e o sequenciamento genético do SARS-CoV-2 e do exoma, a fração do genoma que codifica os genes dos pacientes. Estudos interessantes devem sair em breve com esse foco e, para meados de abril, vamos lançar mais de 30 propostas de projetos envolvendo as diferentes áreas de conhecimento da genômica: saúde, agricultura e pecuária. Queremos construir um modelo muito rico, com a participação da iniciativa privada para investir nesses projetos. Nossa intenção é desenvolver pesquisas que tenham uma aplicação fora da academia, que virem produtos e tragam benefício para a população.

(Foto: Geraldo Bubniak/AEN)

AGROPECUÁRIA

Mas os benefícios da pesquisa genômica não param por aí. Outro campo de aplicação é na agropecuária, com a melhoria genética de plantas e animais que ajudam a evitar pragas e doenças. Com isso, buscam-se melhorias na produtividade e processos mais avançados na criação de rebanhos, atendendo o interesse do produtor.

“Tem um campo vasto para aplicação da pesquisa genômica na agricultura e na pecuária, tanto que a fundação de pesquisa da Cooperativa Agrária, de Guarapuava, já tem um convênio conosco. Com estudos genéticos poderemos evitar novas pragas, tornar a produção mais prática. Na pecuária, a seleção por fenotipagem, aquela que busca selecionar as características físicas dos animais, é limitada, então quando conseguimos ter marcadores genéticos fica mais fácil para selecionar a característica que queremos para aquele animal. Eu não olho mais para a cara dele, olho para o gene”.

COVID-19

Conforme o médico David Livingstone Figueiredo, na idealização do Napi Genômica, o foco não era a covid-19. Mas tudo que envolvesse a pesquisa genômica. Porém, com a chegada da pandemia, houve a necessidade de contribuir para entender o desenvolvimento da doença. Livingstone afirmou ainda que o Napi é um dos poucos centros do Brasil que estão sequenciando o vírus.

“Com o apoio da Seti e da Fundação Araucária, conseguimos um recurso interessante para sequenciar 300 amostras do coronavírus e 300 exomas de pacientes. Vamos olhar para mais de 25 mil genes de pacientes e associar às gravidades da doença. E mais do que isso para também entender a importância do aspecto epidemiológico com o sequenciamento genético de mais de mil amostras do coronavírus”.

Para o pesquisador, esse sequenciamento vai ajudar a descobrir quais cepas estão realmente circulando no Estado, com uma amostra significativa, proporcional e bem desenhada, de todo o Paraná. “Daqui um tempo, vamos fazer de novo sequenciamento para ver como a covid-19 está evoluindo. É um estudo de muita importância para entender a gravidade da doença, as respostas à vacina e tudo mais”.

(Foto: Geraldo Bubniak/AEN)

CEPA P2 CHEGOU AO PARANÁ EM OUTUBRO DE 2020

De acordo com o coordenador da Rede de Pesquisas Genômicas, David Livingstone Figueiredo, até agora as pesquisas já apuraram que a cepa P2, a segunda variante identificada no Brasil, descrita pela primeira vez em janeiro deste ano no Rio de Janeiro, já estava circulando no Paraná desde o outubro do ano passado.

“Com o novo sequenciamento que vamos fazer, que colocará o Paraná como um dos estados que mais vai sequenciar amostras, vamos achar muitas coisas interessantes, que vão refletir em aprendizados que vão ajudar o Estado a lidar com a pandemia mais para frente”.

VALE DO GENOMA

Em entrevista à Agência Estadual de Notícias, o médico também falou sobre a contribuição do Vale do Genoma recém instalado em Guarapuava. Conforme informações, o Vale do Genoma é um projeto maior nessa área porque reúne a iniciativa privada, a academia e o governo de maneira bem clara, desde a assinatura do Memorando de Entendimento até a execução do projeto.

O que será construído em Guarapuava é algo inédito e único no País, um ambiente com recurso privado, que não depende só do setor público, mas o tem como parceiro. Temos iniciativas de inovação no Brasil que acabam ficando muito restritas, ou é um parque que incuba algumas empresas, ou um parque que faz algumas pesquisas. Aqui teremos isso tudo, desde a pesquisa inicial, a avaliação se ela é economicamente viável, a aplicação e o desenvolvimento dos projetos por meio das startups, até chegar ao escalonamento desses produtos, sua produção em larga escala. Queremos criar um ambiente que não existe no Brasil, um completo ecossistema de inovação e referência na pesquisa genômica, nos mesmos moldes do Vale do Silício, nos Estados Unidos.

David Livingstone Figueiredo afirmou ainda que mais do que promover a pesquisa genômica, a ideia é criar um ambiente de negócios nesta área. “São negócios nos dois pontos de vista, tanto no financeiro como na prática, para trazer respostas à sociedade. Primeiro precisamos de dinheiro para produzir pesquisa e fazer girar a economia. Com isso, podemos trazer uma resposta prática a partir dos estudos genômicos. Se encontrarmos marcadores para certas doenças, isso é uma resposta prática. Se conseguirmos melhorar a produção de soja com a pesquisa genômica, é um resultado prático que reflete na questão econômica, mas também na melhoria de qualidade de vida”.

Segundo o pesquisador o Brasil é bom em pesquisa, mas falta aplicabilidade à realidade. “Elas [pesquisas] acabam virando papers (artigos científicos apresentados em congressos ou eventos de determinadas áreas), mas não projetos práticos. Por isso precisamos mudar o conceito e dar esse direcionamento às pesquisas que realmente importam para a humanidade”.

Assim, Livingstone afirmou não ter dúvidas que em breve o Vale do Genoma, será referência para o mundo. Será um ecossistema de inovação, com ambiente que traga respostas práticas a tantas dúvidas que temos.

O Vale do Genoma é uma superestrutura, um conjunto de infraestruturas públicas e privadas como o grupo Jacto, o Ipec, a Fundação Araucária e a Seti, sendo que cada uma dessas instituições tem seu próprio CNPJ, mas trabalham em um sistema de coopetição, que une a cooperação à competição, como é no Vale do Silício. Teremos aqui diferentes comitês, utilizando vários espaços. Será um ambiente para estimular a inovação.

(Foto: Geraldo Bubniak/AEN)

CURA DE OUTRAS DOENÇAS

Durante a entrevista, o médico disse que todas as doenças humanas poderão ter abordagem a partir da genômica, especialmente as doenças crônicas. Livingstone citou o trabalho inicial com o sequenciamento genético para entender a covid-19. Contudo, ele lembrou que o mesmo pode ocorrer para tratar hipertensão, diabetes e doenças endócrinas.

“O câncer é muito estudado atualmente porque será uma das principais causas de morte na próxima década. Mas todas elas podem ser abordadas, inclusive as doenças mentais. Estamos tocando agora um projeto para o diagnóstico genético da deficiência mental idiopática (aquela que ocorre por causas naturais). Hoje, 70% das crianças com doenças mentais não têm diagnóstico, o que é um absurdo. Vamos criar um modelo de diagnóstico, desde a clínica até a abordagem genômica. Todas as doenças podem ser abordadas, e elas serão cada vez mais abordadas segundo essa análise”.

Dessa forma, a partir do sequenciamento genético, o paciente com diabetes receberá no futuro, tratamento individual, de acordo com o perfil de expressão gênica. “Isso é medicina personalizada, que é o que queremos fazer no Vale do Genoma. Isso só pode ser feito reunindo duas coisas: genômica e inteligência artificial”.

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Gilson Boschiero

Jornalista

Possui graduação em Jornalismo, pela Universidade Metodista de Piracicaba (1996). Mestre em Geografia pela Unicentro/PR. Tem experiência de 28 anos na área de Comunicação, com ênfase em telejornalismo e edição. Foi repórter, editor e apresentador de telejornais da TV Cultura, CNT, TV Gazeta/SP, SBT/SP, BandNews, Rede Amazônica, TV Diário, TV Vanguarda e RPC. De 2015 a 2018 foi professor colaborador do Departamento de Comunicação Social da Unicentro - Universidade do Centro-Oeste do Paraná. Em fevereiro de 2019, passou a ser o editor chefe do Portal RSN.

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