22/08/2023

Esperar sem esperança é uma tragédia política

Vou direto aos nove fora. Três absurdos assombraram aqueles que ainda acreditam em uma democracia limpa e que tentam, senão frontalmente, ao menos pelas brechas,   fissurar o que não está certo no meio político. A notícia de que alguns jovens, mesmo que em tom jocoso com ideologia  ou sem ideologia, estão leiloando seus votos, explicitamente; o discurso neo-fascista de ultraconservadores e antidemocráticos que levantam a bandeira de que as pessoas que recebem bolsas governamentais não deveriam participar do processo eleitoral e,  pasmem, peças publicitárias exibidas em programas eleitorais que de forma irresponsável e inconsequente, exercitam o simulacro de uma família que vê a comida desaparecer do prato, caso haja uma vitória da candidata Marina Silva, sentenciando que a mesma terceirizará o Brasil para o capital financeiro.  Três cenas repugnantes e injustificáveis. Para o bom senso, práticas desnecessárias; para os atores do  jogo político, compreensíveis. 

O momento é realmente de extremos e sabemos que todos os extremos são perigosos e danosos.

Tem muita má-fé por aí. Ilações, insinuações e mentiras. Como diria o ex-presidente Lula: “o jogo é cruel” e a Presidenta Dilma: “a presidência não é para coitadinhos”.   No fundo são opiniões e, como sabemos, elas não vem do acaso e dependendo da posição que as mesmas ocupam no imaginário das pessoas, tem poder de corte, tem poder soberano sobre as pessoas.

Como todos querem mudanças, disto tenho certeza, convém lembrar nosso leitor de uma importante diferença conceitual entre alternativa de poder e alternância no poder. O primeiro enunciado celebra uma nova  ruptura, já o segundo enunciado quer manter a velha ruptura. A possibilidade deste entendimento pelo homem mais simples tem causado um estrago em nossos atuais dirigentes e noites de mal-estar. Daí o embate sujo e perverso. É possível que o bom cidadão saiba distinguir tudo isto, mesmo assim, alguns desavisados e apaixonados podem ser atingidos por sentenças chauvinistas do tipo “nós ou nada” ou ainda “sem nós, o Brasil volta a ser uma tragédia”. Este tipo de perversidade ocorre na medida em que aceitamos tais discursos por inércia ou temor, onde alguns aceitam com tanta força que não há refutação racional que prospere.

Na qualidade de cidadãos maiores, merecemos mais que isto, podemos mais que isto.  Disto não tenho dúvida.

A sociedade afastada daquilo que pode (potencialidade) perde sua capacidade revolucionária e se torna doente. Perdida entre o discurso de uma candidata que exige sua reeleição a qualquer custo, perde sua capacidade de criar o real para aceitar a vida medíocre que lhe dão.

Enganam-se aqueles que imaginam que somos avessos a este (esta) candidato (a) político (a), governante, portanto, avesso aos órgãos.  Mas estão certos aqueles que decodificam que estamos avessos ao modelo de organismo que se quer instituir. Ou seja, não nos opomos aos instrumentos, mas à instrumentalização do que ser quer fazer. Sendo mais claro, a estrutura está corrupta, nem sempre em relação às pessoas que as compõem ( mesmo quando compostas por pessoas excelentes ). O problema está na finalidade e na dominação do poder do dinheiro e sua lógica do banditismo.

Atônitos e, ao mesmo tempo engessados, os eleitores constatam um fosso que separa o atual sistema político falido e as aspirações e os desejos das pessoas por algo diferente do que está aí. Pesquisas qualitativas, dia a dia, apuram que as pessoas querem basicamente: “economia estável”, “serviços públicos decentes” e um eficiente “controle da corrupção”. É caro isto? É possível isto? Com quem?  Com Dilma, com Marina ou com Aécio? Ou independente de nomes, tais bandeiras são impossíveis em curto prazo?

O Instituto Ideia Inteligência prestou um grande serviço à opinião pública ao procurar entender a sensibilidade do brasileiro por um viés diferente do usual, ou seja, não explorando o nome de candidatos, mas sim o que pensam sobre a relação política e eleitores em nosso País, através de uma pesquisa/termômetro.   Realizada por ligações telefônicas, a pesquisa fez contato com 29.632 pessoas em 129 cidades. O resultado é motivo de reflexão e avaliações sérias uma vez que apenas 8% das pessoas consultadas estão crentes que os eleitos promoverão mudanças substanciais ao País. O apelo maior é pela estabilidade na economia onde 41% dos entrevistados pedem por este cuidado. Em segundo lugar, melhorias nos serviços públicos com 34% dos entrevistados clamando por este zelo e, finalmente, 25% pleiteiam um efetivo combate à corrupção.

A lição que tiro disto é que esperar sem esperança é a pior maldição que pode cair sobre um povo e é isto que, hipoteticamente, pode-se explicar o fenômeno pela procura de novos sujeitos políticos.

Qualquer cidadão menos poluído, menos contaminado sabe que este tipo ideal ainda não está claro, daí o investimento de parte da sociedade em aproximações deste novo modelo, buscando algo assemelhado, acreditando em possibilidades, com pouco tempo, poucos referenciais e pouca munição e, por outro lado, a resistência de uma outra parte desta sociedade em manter o status quo dominante com unhas e dentes, com agressividade e fúria.

Neste momento, o processo eleitoral investe pesado na ignorância do eleitorado, mirando na ignorância das massas e nelas investindo toda sua potencialidade. Por conta disso, o resultado final “poderá” ser diferente do desenho normal, com novos contornos.

O apelo que faço é o mesmo que fez o pensador Antonio Negri: “Deve haver uma maneira de reconhecer a derrota sem sermos derrotados”.

 

Cristina Esteche

Jornalista

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