22/08/2023

Faíscas ou fogueiras ?

Descompasso. Esta é a palavra chave para compreendermos o atual momento da vida política no País. Enganam-se quem imagina que as coisas estão sob controle. As pessoas mais esclarecidas não querem apenas mudanças, mais que isto, exigem mudanças. Este caldo está em crescente. Para tentar compreender este processo, há uma legião de intérpretes. Ora, o cenário político nacional está repleto de análises e interpretações interessantes. Todavia, apropriando-se de uma rápida análise discursiva, o que mais se vê são apologias ainda bipartidaristas. Dito de outra forma, é fácil identificar linhas e vozes em defesa de um projeto que mantém os atuais mandatários do poder e, por outro lado, não é difícil  diagnosticar vozes e linhas em defesa de mudanças, de novos ares, sem contudo se livrar do esquematismos anteriores e assemelhados.

 A crônica política nacional, com raríssimas exceções, não tem conseguido pautar ou qualificar o debate eleitoral com vistas a considerar o que grande parte da população pediu em junho passado e continua cobrando neste junho presente que é ‘melhorar o sistema político’ , “melhorar a prestação de serviços públicos’ e “impedir de todas as formas a transgressão na coisa pública’. A inteligência política brasileira, deve assumir o mais rápido possível o papel de dizer o que deve ser dito e manifestar-se claramente sobre o acerto e o erro, numa visão transpolítica. É o que a sociedade quer. Esta é uma verdade analítica.

A incapacidade dos estrategistas políticos mais imponentes do País em distinguir verdades vindas da sociedade é algo que merece um estudo. Acreditam ter compreendido a verdade sintética (aquela fenomenal , o que se demonstra) , sem contudo ler corretamente a maior verdade , a analítica (aquela invisível, que escapa do olhar eleitoral). Um exemplo pode ser citado com o argumento do pensador italiano Antonio Negri que apontou um dos maiores erros cometidos pelo ex-presidente , Luis Inácio,  e herdado pelos habitantes do Palácio do Planalto: o investimento na política de grandes eventos (Copa do Mundo e Jogos Olímpicos) ao invés do investimento ‘padrão FIFA’ na educação, na saúde, no sistema político e na sensibilidade desta nova geração que viu o Brasil namorar com o acerto e casar com o erro.

Um grande número de cidadãos brasileiros não quer o que estes candidatos que disputam o poder querem dar. A sociedade não está sendo compreendida. Ao avaliar as estruturas profundas, subjacentes, que se ocultam por detrás dos fenômenos, imperceptíveis ao primeiro olhar, pode-se entender que está havendo uma espécie de diálogo entre surdos e mudos, uma cacofonia.  Era importante que tivéssemos um candidato que tivesse a coragem de dizer a verdade, sem considerar o poder pelo poder. Assim também seria importante que outras vozes, com outras abordagens fossem consideradas no ambiente do debate político para decifrar a “transformação da transformação’. Há uma legião de pessoas que estuda a possibilidade de se libertar deste condicionamento comum e otimizar o discurso daqueles que diariamente fazem o exercício de estranhar o poder, de olhar para o poder com olhos diferentes. Um número significativo de cidadãos ainda estão  na sombra, escondidos e, em alguns momentos, expressam que não se sentem mais representados. Mas não querem afrontar a sociedade oficial com maior determinação porque ainda não enxergam o que gostariam de enxergar. Querem construir uma nova opção que ainda não existe. A bolha estourou no Brasil, no Paraná e em nossa cidade e a verdade foi revelada pois , felizmente, detectamos o prejuízo produzido, mas, infelizmente, estamos ainda com dificuldades para responder à pergunta: como proceder ? Submeter-se ou apoderar-se ? Como manobrar entre os extremos ?

De qualquer , tenho claro que a coisa está amadurecendo, senão agora, logo logo.  Não há dúvida que a política emergente, ou seja, a política esperada pelos indignados e insatisfeitos tende a ser mais horizontal, mais próxima, lateral e um virar às costas para o vertical e o hierárquico.

Mas nem tudo está perdido. Neste organismo político vigente, vi duas coisas acontecerem que serviram como repositório para o acervo de boas práticas. Uma  de ordem macro e outra de ordem uma micro. No vaticano, o Papa Francisco usar seu pontificado para celebrar a possibilidade de Paz entre o líder palestino e o líder judeu. Promissor. Aqui, pela primeira vez, ter notícias que começa um planejamento racional para tirar famílias de áreas de risco, em virtude das inundações e a buscar terrenos para desapropriar, com a finalidade de não repetir amanhã o que aconteceu hoje.  Apesar disto, tanto no Vaticano e na política internacional , quanto no Poder político local, quer-se  mais, exige-se mais.

 Afinal a defasagem de paz e de planejamento na vida pública  é tão grande que estes passos são ainda insuficientes.

Como nos aconselhou Bauman, neste ambiente, precisamos de uma fogueira, pois elas esquentam e podem nos proporcionar  claridade e transparência, porém, há casos em que ficam quentes demais e se transformam em chamas irresponsáveis, ficando fora de controle e com potencialidade de queimar todos nós. Não custa lembrar que  os combustíveis que podem ser usados para manter o fogo acesso, além de inflamáveis, diferem entre si, até porque precisamos separar boas intenções de más intenções.  Algumas brilham, outras explodem. Isso é pouco compreendido, ou como afirmou Bauman, poucos desejam compreender. É por isso que precisamos de mudança , mas não qualquer mudança. O Brasil está saindo dos eixos. Os velhos remédios não funcionam mais. Precisamos de um novo sentido, mas onde ele está ?

O que me alegra é que estamos em um bom processo, saindo do estado de consciência mínima em direção ao estado de consciência máxima, com múltiplas possibilidades

Cristina Esteche

Jornalista

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