22/08/2023



Política

Feriado municipal não é reconhecido

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Guarapuava – Uma questão polêmica está sendo patrocinada pelo anúncio feito pelas entidades patronais do comércio durante a semana, de que a cidade não viverá o feriado municipal de 20 de Novembro, Dia Nacional da Consciência Negra.
Esse dia lembra o assassinato de Zumbi em 1695. Ele era o líder do Quilombo dos Palmares e um dos principais símbolos da resistência negra à escravidão.
O projeto de lei que institui o feriado municipal é de autoria do vereador João Napoleão (PSDB) , aprovado pela maioria dos vereadores e vetado pelo prefeito Fernando Ribas Carli (PP). O prefeito, entretanto, foi voto vencido nessa decisão, pois a Câmara derrubou o veto à Lei 1792/2009, que foi promulgada pelo presidente Admir Strechar com o aval de oito dos 12 vereadores.
A instituição do feriado municipal teve ampla repercussão no Estado entre os movimentos negros. Guarapuava foi o primeiro município do Paraná a ter esse feriado.
A intenção de João Napoleão foi homenagear a etnia negra do município, mas principalmente, criar uma programação especial sobre o tema na cidade, envolvendo escolas, faculdades, movimentos sociais e a sociedade em geral.
Ao vetar o projeto de lei o prefeito Fernando Ribas Carli argumentou que a lei federal 9.093 (12 de setembro de 1995), que dispõe sobre feriados, estabelece em seu artigo 1º, que são conside-rados feriados civis os declarados em lei federal. A Procuradoria lembrou que o município não tem competência para legislar sobre matéria que não seja de interesse local.
A decisão do prefeito, embora derrubada pela Câmara, e mais uma brecha deixada no artigo segundo a própria Lei que institui que “o feriado deverá ser comemorado nas unidades da rede municipal de ensino público com atividades destinadas a resgatar a importância social, histórica e cultural do negro na formação do Brasil contemporâneo” são as deixas para que o feriado não seja cumprido.
Durante a semana a Associação Comercial e Empresarial de Guarapuava e a Câmara dos Diretores Lojistas (CDL) avisaram que no dia 20 de novembro o comércio vai funcionar normalmente. Na rede estadual de ensino, nas faculdades as aulas acontecerão normalmente. Na Secretaria Municipal de Educação e Cultura, que a Lei atingiria diretamente, ninguém soube informar se a legislação será cumprida. “Só saberemos na próxima semana e se houver aula provavelmente terá alguma coisa”, disse uma funcionária da Semec.
“A lei diz que só será feriado nas escolas e também nos apegamos no veto do prefeito. Não queremos desrespeitar ninguém, mas essa questão de criar feriados para homenagear uma etnia vai abrir brechas. E se todas as raças pedirem feriado?”, questiona o presidente da Acig, Valdir Grígolo.
Ele vai além. “Para homenagear uma etnia é preciso ficar sem trabalhar? Tenho a certeza de que se alguém perguntar a um negro se ele prefere ficar sem trabalhar num feriado em sua homenagem e ganhar menos ele vai preferir trabalhar nesse dia e ganhar mais”, observa.
Grígolo também levanta outra questão. “Como propor um feriado municipal nas escolas e querer que tenha atividades nesse dia. Se é feriado ninguém vai à escola. Se eu fosse professor aproveitaria e iria para o Alagado”, diz.
Para o vereador João Napoleão, o Dia Municipal da Consciência Negra representa muito mais. “Trata-se de uma reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira. A data foi escolhida por coincidir com o dia da morte de um dos líderes negros que lutaram contra a escravidão no Brasil, o Zumbi dos Palmares, morto em 1695, e não se trata de homenagear uma etnia, mas de refletir sobre a situação do negro no Brasil a partir das escolas”, afirmou.
João Napoleão disse ainda que houve uma afronta a uma decisão tomada pela Câmara de Vereadores. “O Poder Legislativo também está sendo desrespeitado e vamos tomar providências futuras”, anunciou.

Feriado municipal não é reconhecido

Dois grupos que trabalham com a cultura negra em Guarapuava reagiram ao não cumprimento do feriado municipal.
“Nos sentimos desrespeitados e vamos protestar para chamar a atenção das nossas autoridades. Precisamos ser levados a sério e queremos nos manifestar”, afirmou a coordenadora da Pastoral Afro em Guarapuava, Nercy Guiné anunciando que membros da Pastoral deverão ir à Câmara numa das sessões para debater o assunto. “É preciso reconhecer um erro de séculos”, defende.
Para o educador e coordenador do Kundun Balê, companhia de música e dança afro do quilombo Paiol de Telha, Orlando Silva, o presidente da Acig está equivocado quando menciona o dia como uma homenagem à raça negra. “Primeiro de tudo não existem raças, mas sim etnias e não se trata de homenagear este ou aquele. A partir da informação do empresário, se torna mais evidente que é preciso haver uma consciência em relação ao povo negro. É preciso entender também que feriados ou datas especiais existem como simbologias, como referência para reflexão e para fortalecer o tema que está sendo proposto”, diz.
Para Orlando Silva, por ser um dia destinado a consciência negra, como tudo o que permeia o tema, gera polêmica.
“Essa é uma demonstração típica do velho preconceito que está embutido nas pessoas e que todos negam. Entendemos que há necessidade, sim, de ações durante novembro envolvendo a sociedade como um todo, mas, principalmente, educadores para que ensinem aos alunos a verdadeira história do Brasil; para que deixem de levantar pré conceitos e para que o desinteresses dos educadores em relação ao aprofundamento da história, principalmente em relação ao índio e ao negro, seja prioritário”.
O educador defende também uma reflexão sobre a miscigenação cultural e espiritual que existe no Brasil. “É preciso tornar claro que a consciência não é de uma raça como está sendo colocado, mas de um povo que dá forma a um país chamado Brasil. Todas essas questões passam por fazer valer o nosso direito e quando se nega o que pode parecer um simples feriado, em nome da economia, quando uma secretaria de educação não sabe se respeitará o feriado ou se desenvolverá atividades nesse dia, é uma amostra de que muita coisa ainda insiste em permanecer errada”.
Um levantamento feito pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), ligada à Presidência da República, mostra que o dia 20 de Novembro é feriado em mais de 350 cidades brasileiras, entre elas capitais como São Paulo, Porto Alegre e Manaus.
Segundo a Agência Senado, existe uma lei que será votada em breve no Congresso Nacional que decreta feriado o Dia Nacional da Consciência Negra (20 de novembro), a terça-feira de Carnaval e o Corpus Christi. As medidas foram tomadas para impedir os questionamentos feitos a diversas leis municipais e estaduais.
Na Câmara, os projetos foram votados em novembro de 2008. Por ter sofrido mudanças, a proposta voltará ao Senado, antes de ser enviada à sanção do presidente Lula, que já se manifestou a favor.

Cristina Esteche

Jornalista

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