22/08/2023
Guarapuava Saúde

Filhos cuidadores também sofrem impacto do Alzheimer

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Lizi Dalenogari

Durante os 13 anos em que a  comerciante Ana Ilda Neves conviveu com o Alzheimer, a funcionária pública Ana Heloísa, 57, se dedicou totalmente à mãe. “Deixei a vida social e tudo de lado. Não sabia o que era shopping, cinema, viajar”, diz. Todo empenho, apesar de gratificante, não escondia, porém, o quão cruel a doença pode ser. “A medida em que a doença vai progredindo, você vai vendo a pessoa morrer em vida. A primeira coisa que choca é quando ela não te reconhece mais”, conta.

É inegável o impacto emocional para familiares e pacientes com a doença, que já acomete, pelo menos, 1,2 milhão de pessoas no país, sendo cerca de 100 mil novos casos por ano, segundo o Instituto Alzheimer Brasil (IAB). Mas parentes que cuidam de familiares podem ainda ter a carreira prejudicada pelas inúmeras faltas, licenças e, muitas vezes, até o abandono da profissão.

Pesquisa do Families and Work Institute estima que cerca de 34 milhões de norte-americanos empregados cuidaram de alguém com mais de 50 anos em 2014. Desses, metade informou alguma influência ruim na carreira, conforme dados da associação dos aposentados e a National Alliance for Caregiving.

Mesmo contando com o apoio de uma pessoa para as tarefas de casa, Ana Heloísa se desdobrava para ficar com a mãe. “Não pude pensar em parar de trabalhar, porque não teria de onde tirar o nosso sustento, mas tive que me mudar para perto do meu trabalho e, juntando muitas férias, consegui ficar quase um ano com ela”, lembra.

Sonia Andrade, reside no município de Pinhão e há poucos dias recebeu o diagnóstico da mãe Elena Pires Andrade, de 83 anos. “Ficamos em choque. Ela sempre foi muito ativa e gostava muito de ler. Era lúcida até poucos dias e agora a doença chegou agressiva demais. Ela depende de cuidados 24 horas por dia. Ainda estamos nos habituando com tantas transformações”, conta a agricultora que vive com a mãe em área rural.

Sugestões de Auxílio

Para minimizar os impactos, a coach pessoal e profissional Raquel Furtado afirma que o primeiro passo é avaliar a situação com racionalidade e, em seguida, negociar. “É comum que uma ou duas pessoas fiquem com a carga mais pesada dos cuidados, mas a família precisa resolver como o acompanhamento do idoso será feito e por quem, de preferência, com uma escala de cuidados”, orienta.

Já quando o doente entra em um estágio que não consegue ficar sozinho, o ideal, segundo Raquel, é contar com o apoio de cuidadores profissionais ou optar pela internação especializada. Como nem todos têm acesso a esse tipo de alternativa, a coach reconhece que, em casos de familiares que trabalham com um alto nível de exigência de resultados e com horários rígidos, é preferível tentar trocar de emprego.

“Outra alternativa é tentar trabalhar de casa ou buscar trabalhos de meio período. Se realmente não houver outra opção, recomendo que o familiar tente se manter atualizado o máximo possível, seja lendo, pesquisando e fazendo cursos online. Mesmo que a pessoa não volte a se reinserir no mercado de trabalho, esse processo vai ajudá-la a não ficar de fora das conversas e a minimizar o impacto emocional”, afirma.

Procurar uma Associação de apoio também é muito recomendável. Em Guarapuava a equipe competente de profissionais da Associação de Estudos, Pesquisa e Auxílio aos portadores de Alzheimer – AEPAPA está de portas abertas para prestar auxílio aos familiares. Mensalmente reuniões são realizadas no Cedeteg com os cuidadores e familiares, promovidas pelas equipes da Associação. No próximo dia 26, o tema abordado será “O papel do Assistente Social perante as famílias com indivíduos com Alzheimer”. A reunião terá início às 14h, no Bloco 3, sala 08, no Cedeteg.

Maiores informações sobre a Associação podem ser obtidas na Rua Inácio Karpinski, 1694, no Núcleo Padre Chagas, no Bonsucesso, ou através dos telefones (42) 3304-5460 ou (42) 3304-5452.

Depoimento

“Minha mãe, de 72 anos, descobriu, aos 67, que tinha a doença de Alzheimer. Nesses casos, os parentes também precisam de ajuda, pois têm que desenvolver a habilidade da paciência para lidar com alguém que vive num mundo de fantasias, acredita ter compromissos que não tem mais. Precisa ser vigiada o tempo todo, não pode sair sozinha. O gás da cozinha precisa de uma chave especial, e a geladeira também, porque, às vezes, (o paciente) resolve jogar toda a comida no lixo. Para quem enfrenta esse problema, a pergunta é: ‘Quem você quer ser no momento em que estiver lidando com a pessoa afetada pelo Alzheimer?’. É preciso confrontar a resposta com outra questão: ‘Quem você tem sido nesses momentos?’. Alguém que não aceita que as coisas mudaram, com pouca paciência? É difícil encarar que a mãe deixa de ser o exemplo e passa exigir cuidados. Não podemos alterar os fatos, mas podemos mudar a forma como os encaramos. É preciso se relacionar melhor com o sofrimento. ‘Dolorir’: colorir a dor, encontrar um sentido, uma missão maior para essa angústia de reconhecer que as coisas mudaram. A tristeza de perceber a decadência em quem amamos precisa nos ensinar sobre nós e a nossa fragilidade. É um choque ver um indivíduo ficar totalmente dependente. Enquanto dentro da gente existir a imagem da pessoa de antes do Alzheimer, fica difícil aceitar a nova pessoa que surge depois da doença. Na velhice, todos esperamos mesmo que os papéis se invertam e que nos tornemos pais de nossos pais, mas, no caso de minha mãe, o Alzheimer antecipou essa expectativa em dez anos e me mostrou que o envelhecer será muito pior do que eu imaginava”, conta Anelice Vieira.

Cristina Esteche

Jornalista

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