22/08/2023

Filhos da Imigração

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Taís Nichelle, com fotos de Lizi Dalenogari

Quem já visitou Entre Rios, um dos distritos de Guarapuava, não pode dizer que nunca visitou a Europa. Mesmo que nunca tenha, de fato, pisado fora do território tupiniquim. Isso porque, os imigrantes alemães que colonizaram Entre Rios fizeram questão de cultivar a arquitetura europeia: casas que parecem de boneca, jardins bem cuidados e uma tranquilidade que te convida a sentar em um banco e conversar com as pessoas. Talvez, em um dos bancos, você encontre Anton Egles, um dos moradores da colônia. 

“Eu vim para o Brasil com 13 anos de idade, acompanhado pelos meus pais”, conta ele, ao relembrar trechos dos seus 83 anos de vida. Na bagagem, mais que as lembranças da sua terra natal, Seu Anton trouxe o terror da fuga. No final da II Guerra Mundial, o regime comunista instalado no leste europeu expulsou os suábios, que foram acolhidos provisoriamente na Áustria. Entretanto, cansados de perseguições e guerras, decidiram partir da Europa, rumo a outros continentes. “Saí da Iugoslávia aos 4 anos de idade, nos 3 dias de viagem presenciei muita guerra. Morei 11 anos na Áustria, até que decidimos vir para o Brasil”, relata ele. “Quando chegamos, isso aqui era muito feio. Não tinha nada. Não tinha escola, não tinha hospital”. 

Anton Egles foi, portanto, um dos braços que ergueram a colônia: “O que a gente podia fazer na época, a gente fazia: trabalhava na lavoura, cuidava dos cavalos, tirava leite”, recorda Anton, que já trabalhou como açougueiro por oito anos, mas se encontrou na agricultura. “Quando eu tinha 23 anos, saiu aquele projeto agrário e eu recebi 100 hectares de terra”, hectares que ele multiplicou e com isso, criou os quatro filhos. “Hoje eles cuidam da lavoura, eu ajudo no que precisar: fazer estrada, comprar maquinário. Eu sou aposentado, mas trabalho porque gosto”, brava com orgulho o agricultor.

A história se repete no caso da aposentada Eva Reinhefer, de 81 anos. Ela veio no quarto, dos sete navios de imigrantes europeus que vieram para o Brasil no final da década de 40. “Foi aqui que conheci meu esposo. Ele também morava na Alemanha, mas lá nunca tínhamos nos visto”, declara a aposentada, que teve com o marido um casal de filhos. A dificuldade no início foi muito grande, isso fez com que vários imigrantes retornassem para a Europa: “Aqui não tinha nada, não tinha assistência. Muitos voltaram por causa de problemas de saúde. Se alguém ficava doente, tinha que ir para Guarapuava no hospital e levava quase 3 dias de viagem, porque não tinha carro. Muita gente morria no caminho”, narra Dona Eva, com um timbre de tristeza.

A persistência e a garra dos imigrantes começou a trazer perspectiva de um futuro melhor apenas na década de 60: “Eu cuidava da casa e ajudava no campo, colhia arroz, milho, mostarda… Tínhamos muito pouco para comer. Em 1960, a cooperativa decidiu começar a plantar soja, aí fomos prosperando aos poucos”, revela. Se decidir perguntar para Dona Eva se ela gostaria de voltar para a Alemanha, prepare-se para ouvir um não em alto e bom som: “Não! Agora, aqui é muito bom para morar”. Quanto a saudade da terra natal, ela resolve facilmente com algumas horas de avião: “Não sinto saudade. Já fui pra lá três vezes”. 

 

Cristina Esteche

Jornalista

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