22/08/2023
Cotidiano

Gays criticam postura de televisão na abordagem do homossexualismo

Guarapuava – Ciência já superou o conceito de que a homossexualidade seria uma doença. Hoje, ela é tida como uma variante normal da heterossexualidade

Desde que os gays resolveram “sair do armário” e assumir a sua sexualidade, vira e mexe, sempre surge alguém pregando a cura da homossexualidade. O “milagre” é estampado por líderes religiosos católicos ou não, por pais em busca de terapias para “curar” filhos que assumiram a sua opção sexual.
A última discussão sobre esse tema foi “patrocinada” pelo final da novela A Favorita que, segundo gays que vivem em Guarapuava, se não teve o teor religioso da cura, surgiu no ar em milhões de lares brasileiros carregada de preconceito e distorções. A novela global teve o seu capítulo final exibido há poucas semanas e o reflexo desse espelho deixou imagens distorcidas que prejudicam o relacionamento de pessoas com seus familiares.
“A Globo mostrou um personagem gay vivido pelo ator Iran Malfinato de forma caricata. O público adorou o Orlandinho pela sua comicidade, pelos gestos afeminados, pela sua roupa justa, cabelo grande, sensual que foi mostrado num tom cômico para em seguida jogar um balde de água de fria”, observa o universitário A.M.L, 22 anos. Para o jovem, é triste ver um meio de comunicação de massa como é a televisão e, principalmente, uma novela da Globo, mostrar o personagem Orlandinho curado e masculinizado.
“Essa distorção me atingiu diretamente. Levei anos para aceita a minha condição de homossexual, para enfrentar a minha verdade e então encarar a minha família, ouvindo choro de mãe e grito de pai, para em poucos minutos de uma novela o espaço que conquistei ser desmoronado e passar a ser taxado de sem vergonha”, diz.
“O que o último capítulo da Globo mostrou nessa novela não condiz com a nossa realidade. A gente não é gay por opção, porque ser homossexual numa sociedade machista é muito difícil e dolorido. Mesmo sem ter me assumido perante a minha família ouço comentários maldosos de que a homossexualidade é sinônimo de sem-vergonhice. Isso não é verdadeiro”, comenta A.D., 21 anos.
Ele conta que um dos seus amigos gays veio fazer universidade em Guarapuava. Se formou e encontrou um emprego. Saiu de casa para poder assumir a homossexualidade, pois tinha a certeza de que sua família sabia. “Após o último capítulo dessa novela o pai do meu amigo saiu bem desvairado e foi vasculhar as coisas pessoais dele. Acabou encontrando um diário. Na mesma noite veio a Guarapuava e levou meu amigo embora. Nunca mais tivemos contato com ele”, relata.
A profissional liberal M.S.G, 28 anos, lembra que durante a exibição de “A Favorita” a Globo exibiu o filme “O Segredo de Brokeback Mountain” , um filme que mostra o amor entre dois homens. “No dia seguinte uma amarga surpresa quando fomos assistir o programa Fantástico e vimos uma reportagem sobre ex-gays. Tinha falas de um pastor, um padre, e de ex-gays homens e mulheres. Isso não existe! Nós somos o que somos e pronto”, reage.
Segundo os homossexuais entrevistados pela TRIBUNA, está na hora da sociedade derrubar a sua máscara e aceitar as diferenças. “Não podemos aceitar calados a falsa imposição de que é possível virar homem ou mulher quando se quer, bastando para isso um simples estalar de dedos. Cada um é cada um e só queremos continuar tendo nossas conquistas, sem distorções, sem preconceito”, afirma A.D.
Para o psicólogo Silvio Ortiz, apesar de haver um avanço significativo com relação ao assunto, muitos pais e até mesmo os jovens ainda têm rejeição à homossexualidade. Segundo ele, alguns pais acreditam que é possível uma cura através de terapias, como se o homossexualismo fosse uma doença, conceito há tempos superado. Hoje a homossexualidade é tida como uma variante normal da heterossexualidade, uma orientação sexual. “Acho que o primeiro passo é a pessoa ficar bem resolvida, se aceitar como é e se livrar do próprio preconceito”, sinaliza.
Apesar de muitas especulações sobre às causas da homossexualidade, não há nenhum estudo conclusivo, as indicações mais aceitas apontam para questões genéticas. Ainda em 1993, a revista americana Science publicou uma pesquisa coordenada pelo professor Dean Hamer, chefe do Laboratório de Bioquímica do Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos, identificando um mesmo padrão genético em 33 pares de genes de irmãos gays, sugerindo o caráter hereditário da homossexualidade. O assunto deu pano pra manga, tanto que Hamer teve que rever algumas de suas posições. Porém, o pesquisador em manteve sua opinião anos depois em entrevista à Revista Época. Para ele, o homossexualismo é fortemente determinado por aspectos genéticos e biológicos.
Mas por que a sociedade busca incessantemente a identificação das origens da homossexualidade? Ainda é notável e preponderante o papel que a cultura exerce sobre o estilo de vida de uma pessoa. Também é perceptível a severidade com que muitas culturas tratam as minorias que não seguem seus preceitos, como no caso das pessoas homossexuais que não correspondem aos padrões pré-estabelecidos de uma sociedade composta por uma maioria predominantemente heterossexual.

A história e suas narrativas
Tão antigo quanto a própria humanidade, o homossexualismo parece contar, com a sua história, uma outra ‘clandestina’, do próprio gênero humano. Como se fosse uma versão não-autorizada da história oficial do homem. Suetônio, historiador romano, autor de Os
Na Idade Média, período marcado pela soberania da fé cristã, fogueiras, prisões e castigos duríssimos eram a norma para quem saía da regra heterossexual. No século XVI, período da Reforma, alguns países protestantes puniam a prática homossexual com severidade. Entre alguns castigos, figuravam desde cerimônias de açoite público até castração, confisco de bens, morte na fogueira ou por afogamento.
O século XX assistiu a um dos maiores genocídios gays da história. Tanto quanto judeus e ciganos, a minoria homossexual dos territórios ocupados pelo Terceiro Reich foi massacrada em nome da pureza ariana. Cerca de 10 mil homossexuais pereceram em campos de concentração. Longe de ser exclusividade germânica, escritores cubanos como Reinaldo Arenas e Guillermo Cabrera Infante já denunciaram campos de trabalhos forçados para os homossexuais na ilha de Fidel Castro.

* A pedido dos entrevistados a TRIBUNA se limita a publicar apenas as iniciais dos nomes para evitar maiores problemas.

Cristina Esteche

Jornalista

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