22/08/2023
Brasil Política

Golpe de 1964 teve grande apoio de parte da sociedade civil

Declarações e flertes autoritários de autoridades da República, voltaram a testar os limites das instituições democráticas nacionais

GOLPE MILITAR

Declarações e flertes autoritários de autoridades da República, voltaram a testar os limites das instituições democráticas nacionais (Imagem: Reprodução/Pixabay)

No dia de hoje (31), o Brasil vivenciava o golpe civil-militar. Era 31 de Março de 1964. Período que durou 21 anos e teve como marcas, a intolerância, a violência contra os adversários políticos e a falta de liberdade. E 57 anos depois, percebe-se que o conservadorismo que tem como representante principal o governo federal, tenta colocar as garras para fora.

A Ditadura não pode ser esquecida e precisa ser relembrada para que as futuras gerações tomem conhecimento do que ocorreu em território nacional. Esta semana, após a troca de seis ministros, entre eles, o da defesa, provocou o efeito dominó que chegou até a cúpula das forças armadas. O resultado foi a mudança no comando do exército, da marinha e da aeronáutica.

A tentativa de politizar as forças armadas, com a mudança nos comandos, facilitaria uma interferência do executivo nas instituições. Novos nomes já se confirmaram nesta tarde para cada pasta. E estudiosos acreditam que a alteração pode sinalizar uma ameaça às instituições e ao Estado Democrático de Direito.

1964

De acordo com o estudante de doutorado em Geografia Política pela Unicentro, Rafael Freire, o movimento de 1964 não foi espontâneo, mas resultado de conspirações fortalecidas após a renúncia do ex-Presidente Jânio Quadros, em agosto de 1961.

“Dessa forma, os conspiradores tinha como objetivo, impedir a posse do então vice-presidente João Goulart. Mas após a votação de uma emenda constitucional que retirava poderes constitucionais da Presidência da República e instituía o parlamentarismo no Brasil, a posse de Goulart se consumou”.

Assim, em 1963 o presidencialismo retornava após consulta popular via plebiscito. Conforme Freire, durante entrevista ao Portal RSN, as ações dos conspiradores e golpistas não pararam por aí.

“Documentos históricos confirmam o apoio dos Estados Unidos e a participação efetiva do embaixador Lincoln Gordon em ações de apoio político e financeiro a setores da mídia, religiosos, deputados federais e estaduais e governadores que se oponham a João Goulart”.

Desse modo, de acordo com Rafael Freire, o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) são exemplos esclarecedores da ação orquestrada entre setores civis, empresariais, militares, bem como o interesse estadunidense, dado o contexto de disputa entre as duas superpotências da Guerra Fria: Estados Unidos e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

“Estava claro que os EUA, líderes do mundo ocidental, temiam um processo revolucionário ou de cisão com os interesses do capitalismo no continente americano, sobretudo no Brasil”.

REFORMAS DE BASE

A defesa das Reformas de Base – conjunto de reformas sociais e econômicas propostas pelo governo que incluíam reforma agrária, tributária e eleitoral -, contrariavam interesses hegemônicos dos EUA, que consideravam Goulart muito à esquerda devido o apoio que recebia do Partido Comunista e de organizações sindicais como o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT).

“Assim, o discurso de João Goulart na Central no Brasil, em 13 de Março de 1964, é considerado chave para o aumento das tensões e conspirações golpistas. Nele, o Presidente deixou claro que não recuaria nas reformas”.

Conforme Freire, o passo seguinte dos setores golpistas teve a definição de Humberto de Alencar Castelo Branco. Até então Chefe do Estado-Maior do Exército, e considerado por tais segmentos como um oficial respeitado, católico praticante e admirado dos Estados Unidos. “Ele reunia as características desejadas pelos grupos conservadores, temerosos do fantasma comunista”.

APOIO CIVIL

Qualquer semelhança não parece ser mera coincidência. Os dias que antecederam o início dos 21 anos sombrios da Ditadura Militar tiveram grande apoio de parte da sociedade daquela época.

O apoio civil demonstrado em manifestações como a Marcha pela Família, com Deus pela Liberdade; a operação Brother Sam, na qual embarcações militares estadunidenses foram deslocadas ao litoral brasileiro para dar suporte aos golpistas da noite de 31 de Março. E ainda as ações de parlamentares que seriam os responsáveis por dar a aparência de legitimidade ao golpe e o fizeram declarando vaga a Presidência da República. E empossando Ranieri Mazzili em 2 de Abril, fizeram parte desse processo, que culminou com a eleição de Castelo Branco dias depois pelo Congresso Nacional. A posse ocorreu em 15 de Abril de 1964. 

Portanto, conforme Freite, não há motivos para comemoração no dia de hoje como declarado ontem (30) pelo novo Ministro da Defesa, General Walter Braga Netto. “Mas existem motivos para mantermos viva a memória a respeito dos horrores comandados pela Ditadura. Houve tortura, sequestros, assassinatos, ocultação de cadáveres, censura, fechamento do Congresso, exílio, suspensão e perda de direitos civis e políticos”.

Neste período, a sociedade brasileira foi cegada e sufocada pela censura e pela morte. Tudo isso ocorreu, supostamente, em nome da democracia. E a cada dia, vemos mais e mais exemplos que trazem de volta os mesmos discursos ditatoriais.

“Testemunhamos nos últimos tempos declarações e flertes autoritários ditos por autoridades da República, como Presidente e Ministros de Estado. Eles testam os limites das instituições democráticas nacionais e as reações da sociedade brasileira, sejam elas expressas em tweets, hashtags, notas de repúdio ou manifestações populares”.

É PRECISO RELEMBRAR SEMPRE

O processo conciliatório pós-ditadura não puniu os criminosos que perseguiram, torturaram e assassinaram brasileiros e brasileiras sob a proteção do Estado. Por isso, essa lacuna enfraqueceu a memória a respeito das atrocidades cometidas.

Além disso, impossibilitou um necessário consenso entre forças políticas e sociais de distintos campos políticos, partidários e ideológicos: a defesa da democracia e o repúdio a ditadura. Como disse outrora Ulisses Guimarães: “Temos ódio à Ditadura. Ódio e Nojo”.

Nesta quarta (31), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, que também é presidente do (TSE), escreveu um texto no Twitter. Desse modo, o ministro saiu em defesa da democracia com recado para as novas gerações.

Assim, conforme Barroso, só afirma que não houve ditadura no Brasil quem não viu “um adversário do regime que tenha sido torturado, um professor que tenha sido cassado ou um jornalista censurado”.

Ditaduras vêm com intolerância, violência contra os adversários e falta de liberdade. Apesar da crise dos últimos anos, o período democrático trouxe muito mais progresso social que a ditadura, com o maior aumento de IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] da América Latina.

Por fim, o ministro afirmou: “Tortura, cassações e censura são coisas de ditaduras, não de democracias”.

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Gilson Boschiero

Jornalista

Possui graduação em Jornalismo, pela Universidade Metodista de Piracicaba (1996). Mestre em Geografia pela Unicentro/PR. Tem experiência de 28 anos na área de Comunicação, com ênfase em telejornalismo e edição. Foi repórter, editor e apresentador de telejornais da TV Cultura, CNT, TV Gazeta/SP, SBT/SP, BandNews, Rede Amazônica, TV Diário, TV Vanguarda e RPC. De 2015 a 2018 foi professor colaborador do Departamento de Comunicação Social da Unicentro - Universidade do Centro-Oeste do Paraná. Em fevereiro de 2019, passou a ser o editor chefe do Portal RSN.

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