22/08/2023
Blog da Cris Guarapuava

Guarapuava, terra onde deixei pedaços de mim

Nasci nesse chão de vento e neblina, onde a garoa parece sussurrar histórias antigas e as araucárias vigiam em silêncio as dores e amores do tempo

Por-do-sol em Guarapuava (Foto: Orlando Silva)

Há cidades que nos recebem como berços. Outras, como trincheiras. Guarapuava, para mim, sempre foi as duas coisas. Nasci nesse chão de vento e neblina, onde a garoa parece sussurrar histórias antigas e as araucárias vigiam em silêncio as dores e amores do tempo.

Durante muito tempo, confesso, achei que essa cidade não me amava. Que eu não era filha, mas enteada. E não daquelas afortunadas dos contos de fadas, mas da madrasta clássica, a das histórias infantis: fria, rígida, distante. Havia dias em que eu sentia que Guarapuava me empurrava pra longe, como se não me quisesse por perto, como se eu fosse estrangeira em minha própria origem.

Mas a vida, essa artesã de ironias e reencontros, me fez voltar. Voltei uma, duas vezes. Voltei porque, mesmo ferida, é essa terra que me conhece. Porque é aqui que minha alma tem cheiro de erva úmida, de terra revolvida pela chuva. Aqui criei meus filhos, vi crescerem raízes do meu sangue. E aqui também deixei parte de mim, o que nunca mais volta.

Foi nesse chão que entreguei à eternidade o meu filho Juan e meu neto Lorenzo. Terra molhada não apenas pela chuva, mas pelas lágrimas que escorrem em silêncio, noite adentro. Terra que acolheu os corpos que um dia embalei nos braços, e agora embala no ventre do mundo. Eles não partiram apenas de mim, partiram para dentro da terra que me gerou. São agora raízes invisíveis. São semente e memória.

Guarapuava me feriu, mas também me deu. Me tirou, mas também me chamou de volta. E se não é mãe no estereótipo doce dos contos de fadas, talvez seja uma mãe-pedra, dessas que sustentam, que seguram a casa no vento, que mesmo duras, não deixam cair.

A vida aqui tem cheiro de pinhão tostando no fogão a lenha, tem a tristeza mansa da cerração da manhã, e a beleza bruta de quem não promete nada, mas entrega tudo. Aqui, eu entendi que a saudade também é uma forma de amor. E que a terra que te faz sangrar é também a única capaz de te curar.

Hoje, aceito minha cidade como ela é. Guarapuava, com sua névoa, sua chuva, sua gente meio dura e muito forte. Talvez não seja uma mãe convencional. Mas é chão. É raiz. É história. E eu sou dela. Mesmo quando fui embora, mesmo quando quis não ser.

Porque sempre volto. Porque aqui, nesta terra molhada, minha alma floresce, mesmo sob a dor. E é aqui que, apesar de tudo, eu ainda germino.

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Cristina Esteche

Jornalista

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