Guarapuava – Por Cristina Esteche
Escrever sobre uma pessoa com quem não tivemos contato é uma tarefa difícil. Fácil, entretanto, é escrever sobre essa mesma pessoa nessa mesma condição, mas quando sabemos do legado de vida deixado, principalmente, no campo da solidariedade.
A conheci pessoalmente nas poucas vezes que nos deparamos em eventos pelas colônias suábias que compõem o distrito de Entre Rios. Solo em que a frau pisou firme desde quando aportou no Brasil e veio morar em Guarapuava, tempos depois ao lado do pioneiro Mathias Le, este, sim, meu amigo.
Elizabeth Mayer Leh, ou a frau como a chamavam em Entre Rios pode ser considerada a dama do povo. A mulher que nasceu na Yugoslávia, em 30 de novembro de 1939, na cidade de Ilaca, filha de Anton e Apolônia Mayer, foi um resistente. Quando a Segunda Guerra Mundial terminou fugiu com seus familiares e encontrou refúgio na Áustria, junto com muitos milhares de refugiados de guerra.
Em 1951 chegou com sua família aos campos de Guarapuava e junto com os seus compatriotas de etnia alemã dos Suábios do Danúbio participou dos difíceis anos do início de uma obra de colonização nos campos de Entre Rios.
Casou-se em 1958 com Mathias Leh com que teve cinco filhos.
Como sempre se interessou em minorar o sofrimento dos menos favorecidos pela injustiça social e empenhou-se em fundar uma obra assistencial, que em homenagem à uma irmã católica, ativa no trabalho social foi chamado de Clube Social Elisabeth. Nesta entidade beneficente juntaram-se esposas de colonizadores de Entre Rios, com fins assistenciais, em favor da população da colônia sem distinção de religião ou raça. A obra concentrou seus esforços em um bazar de roupas usadas, que foram obtidas de obras semelhantes na Europa, destacando-se como doadora uma associação beneficente da cidade co-irmã da Colônia de Entre Rios, na cidade de Rastatt na Alemanha.
Foi líder e orientadora do trabalho assistencial do bazar de roupas usadas que se orientou progressivamente para a população carente das vilas de Entre Rios. Dirigiu e empenhou-se neste trabalho até o seu estado de saúde permitir.-
Em 1990, por motivos legais, o Clube Social Elisabeth passou a ser denominado Associação Beneficente de Senhoras de Entre Rios, entidade que, além de continuar cumprindo com a sua missão de ajudar os mais carentes da colônia, também conta com um bazar de artesanato, o qual possibilita à comunidade de expor, vender ou comprar produtos produzidos na localidade.
Em 2004 foi inaugurado mais um Projeto Todo tempo na Escola Alegria do saber com parceria da Prefeitura Municipal de Guarapuava; Associação Beneficente das Senhoras de Entre Rios (da qual dona Elisabeth foi presidente) com o Grupo de Cidadãos da cidade de Rastatt Alemanha. Projeto este que atende crianças de 2 a 13 anos (180) com atividades diversas. Ainda atendeu o Grupo de Adultos que estão em fase de alfabetização. Este projeto situa-se no Distrito de Entre Rios, na comunidade Vila Begail, e é atualmente a comunidade mais carente no Distrito.
Em 2005 a frau ajudou ativamente na implantação do Projeto Jovens em Ação Projeção pela entidade ABSER, tem como objetivo principal ocupar o jovem adolescente em situação de risco de Entre Rios, entre 12 a 18 anos, no seu contra turno de aula com oficinas, recreação, música, dança ou esportes. Este projeto conta hoje com várias oficinas orientadas por pessoas voluntárias da comunidade, e funcionários, atingindo anualmente aproximadamente cerca de 300 adolescentes.
Mas o trabalho voluntário não para por aí. Dona Elisabeth foi conselheira ativa na Fundação Cultural Suábio-Brasileiro desde 2000. Em 2002 participou ativamente no engajamento para reabertura do Hospital Semmelweis onde foi Conselheira ativa do Conselho Curador da Fundação Semmelweis no Distrito de Entre Rios.
Essa trajetória lhe rendeu o título de Cidadã Honorária de Guarapuava em 2006, honraria concedida pela Câmara de Vereadores e Destaque na área de Boa Vontade, mérito outorgado pelo Clube Soroptmista Internacional.
Além desses fatos que pautaram minha atuação jornalística, soube um pouco da trajetória de dona Elizabeth em conversas com meu irmão Paulo que se tornou um admirador do seu trabalho.
Um contato rápido que tive com a frau foi numa festa na comunidade quilombola Paiol de Telha na Colônia Socorro onde ela foi jurada num concurso. Apesar das divergências políticas entre a comunidade quilombola e a Cooperativa Agrária, o espírito de grandeza e de solidariedade a levaram até lá e como num murmúrio solitário, quase só para si, a ouvi dizer que precisava ajudar aquela comunidade.
A frau encerrou a sua caminhada cumprindo sua missão terrena no início da tarde de quinta-feira, dia 23, após ter lutado por cerca de seis anos contra um câncer.
A mulher se vai, mas o seu legado ficará cravado como exemplo de despreendimento, de solidariedade, de doação.