22/08/2023
Cotidiano Em Alta Guarapuava Saúde

Jovem de Guarapuava faz desabafo após vencer a depressão

Vitória diz que os primeiros sintomas surgiram aos nove anos. Além de medicamentos, de terapia com profissionais, ela conta que a arte a salvou

Jovem desabafa e conta como venceu a depressão (Foto: IA)

A Arte é vida, ou a vida é arte? Não sei ao certo, mas, para mim, as duas são sinônimos. A arte está em tudo. Quando criança, é mais fácil percebê-la, mas com o tempo — não sei exatamente quando — nossas lentes mudam e começamos a enxergar o mundo de outra maneira: desconfiada, insegura e maliciosa.

É dessa maneira poética que uma jovem de Guarapuava resolveu falar sobre um tema delicado, mas que não pode ser ignorado: a saúde mental, a ansiedade, a depressão. A estudante de 17 anos será chamada de Vitória. Ela conta que enquanto era pequena, sempre foi tímida e que tinha dificuldade em fazer amizades. E como sonhava em ser artista plástica famosa, se dedicava aos desenhos.

Se você começar a prestar atenção ao seu redor, perceberá que não é tão difícil a arte no cotidiano. No desenho de uma criança, na poesia de um adolescente apaixonado, no crochê de uma avó, na letra de uma música escrita em meio ao primeiro desamor de um jovem, na melodia que toca no rádio do carro quando estamos correndo contra o tempo, mas pegamos o semáforo no sinal amarelo, que, ironicamente, diz: “olhe com atenção”. Tenho aprendido isso nos meus primeiros 17 anos de vida. A arte é o respiro em meio ao caos.

E em meio a arte, aos nove anos, após a morte do avô e de enfrentar problemas na família, eis que surgem os primeiros sintomas de depressão e ansiedade, que se manifestaram fisicamente e foram diagnosticados posteriormente. Infelizmente, os pais ignoraram o diagnóstico, acreditando ser espiritual. “Com 10 anos, eu já não desenhava com a mesma frequência e encontrei alívio na dor. Aos 11, chorava todas as noites pedindo a Deus para não acordar na manhã seguinte. Aos 12 anos, com a pandemia, os sintomas se intensificaram e se tornaram físicos novamente”.

Vitória conta que um dia acordou passando mal e enquanto vomitava, os pais viram as cicatrizes e cortes recentes nos braços da filha. “Eles não souberam lidar bem com aquilo — e eu não os culpo. Afinal, se alguém machucasse minha filha, eu iria fazer de tudo para protegê-la desse alguém; mas e se esse alguém fosse ela mesma, o que eu faria?”

INÍCIO DO TRATAMENTO COM REMÉDIOS

Aos 12 anos, Vitória iniciou tratamento com remédios diários e terapia semanal após os pais tomarem a iniciativa. Durante esse período, dos 9 aos 12 anos, os desenhos, pinturas e o sonho de ser artista ficaram esquecidos. Ela conta que já não tinha perspectiva de futuro, algo que segundo ela era assustador para uma pré-adolescente que, em teoria, deveria ser cheia de sonhos e planos.

Minha única atração era a possibilidade de morar fora do país, longe da família e do convívio social da atual época. Uma tentativa de ser eu mesma sem medo de julgamentos ou rejeições pela minha orientação sexual, até então, reprimida e escondida. Meu refúgio se tornou a música, que ouvia no volume máximo em meus fones de ouvido – costume que me acompanha até hoje.

E aos 14 anos, Vitória revela que atentou contra a própria vida pela primeira vez e hoje consegue agradecer, “tentativa felizmente frustrada”. Aos 15 anos, ela viveu o primeiro amor, impossível de acordo com ela, “mas forte o suficiente para expor o que sempre soube e senti”. Inesperadamente, ela afirma que foi acolhida pelas pessoas que menos esperava: minha família – ou pelo menos a maior parte dela. Mas acabou rejeitada por muitas pessoas que ela amava.

Infelizmente, temos o costume de perceber apenas as coisas ruins da vidas e muitas vezes sequer notar as boas. E foi isso que eu fiz nessa situação. Me culpei tanto por algo que não era minha escolha e que fez com que pessoas que eu amava se afastassem, que não percebi as que me amavam e estavam ao meu lado. E mais uma vez, agi de modo egoísta ao não pensar em como elas ficariam sem mim.

VÁRIAS TENTATIVAS

Foram quatro vezes em cinco meses. “Na quinta vez, percebi que talvez eu não quisesse morrer; apenas não queria viver aquela vida”. Nesse momento ela conversou com a psicóloga e com o psiquiatra e iniciou um tratamento psiquiátrico intensivo. E o choque de realidade mostrou que ela tinha tudo para ser feliz. “Mas por que não conseguia? Talvez, porque já não conseguia mais ver, minhas lentes estavam vencidas”.

Vitória contou ao Portal RSN que passou pouco tempo lá, mas o suficiente para voltar para casa com outra visão de mundo. “Vi beleza onde, antes, sequer notava; vi valor em coisas que nunca havia percebido antes, em pessoas que nunca imaginei que fariam tanta falta, em abraços que antes eu rejeitava… Troquei as lentes”.

E além de enxergar a vida, a arte voltou a brilhar na vida dela. E de maneiras diferentes. De acordo com ela, a letra das músicas e o som dos instrumentos presentes em cada melodia, os desenhos de uma criança ou uma pintura no muro de uma casa. E ainda nas frases que surgiam à mente cada vez que eu via aquela mulher.

Num dia, esbocei alguns desenhos, brinquei com algumas luzes e sombras, até que esqueci do mundo ao meu redor por algumas horas. E isso voltou a fazer parte do meu dia a dia, como quando era criança. A música, que antes era refúgio, tornou-se hobby através do canto e violão. Meus desabafos no bloco de notas viraram poesias sobre como a vida é dura, porém efêmera – trazendo esperança de um amanhã melhor -, ou sobre como minha timidez ainda se manifesta ao lado da paixão.

A ARTE FEZ COMPANHIA

A arte é a fiel companheira de Vitória. “Na inocência da infância, no luto pelo avô, no bullying da pré-adolescência, no silêncio da pandemia, nos finais e recomeços, nos amores platônicos, na ânsia do futuro e saudades do passado, no medo e na insegurança, na tristeza e também na alegria. Nem todas arte tem seu início num momento bom, na maioria das vezes ela surge em meio a dor da tentativa de torná-lo bom”.

Assim ela conta que em alguns dias é desenhista, em outros pintora. Na maioria deles, também se arrisca na música, e em uns mais raros, escrevo. “Mas em todos, sou artista. Me encontro, desencontro e reencontro todos os dias por meio da arte”.

SETEMBRO AMARELO

E o desabafo de Vitória faz um alerta para o momento em que vivemos. O Setembro Amarelo é um mês dedicado a prevenção do suicídio desde 2014. “Se você começar a enxergar a vida com outras lentes, encontrará beleza e arte em cada pequena coisa que cruzar seu caminho, e assim, talvez, o fardo que cada um de nós carregamos no nosso cotidiano, se torne mais leve”.

Vitória finaliza lembrando que as pessoas busquem ajuda, e que usem a arte como aliada para expressar o que está sentindo. “Seja na música, no desenho, na escrita, ou em qualquer outra das infinitas formas onde podemos encontrá-la. Te garanto, ela é uma ótima companhia!”

Existem canais de ajuda gratuitos e disponíveis 24 horas por dia. Centro de Valorização da Vida (CVV): Oferece apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo. O número é 188 (ligação gratuita de qualquer telefone). Você também pode procurar ajuda pelo site (chat e e-mail): www.cvv.org.br.

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Gilson Boschiero

Jornalista

Possui graduação em Jornalismo, pela Universidade Metodista de Piracicaba (1996). Mestre em Geografia pela Unicentro/PR. Tem experiência de 28 anos na área de Comunicação, com ênfase em telejornalismo e edição. Foi repórter, editor e apresentador de telejornais da TV Cultura, CNT, TV Gazeta/SP, SBT/SP, BandNews, Rede Amazônica, TV Diário, TV Vanguarda e RPC. De 2015 a 2018 foi professor colaborador do Departamento de Comunicação Social da Unicentro - Universidade do Centro-Oeste do Paraná. Em fevereiro de 2019, passou a ser o editor chefe do Portal RSN. @gilson_boschiero

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