22/08/2023
Mundo Saúde

Luta contra os estigmas ainda marca o combate à Aids

"O grande problema do HIV hoje não é mais um problema clínico, é um problema social", diz jornalista que convive com o vírus

“A questão do preconceito é algo tão forte que atrapalha de fazer o teste, de procurar ajuda e tratamento” (Imagem: Reprodução/Vero)

Atingir o compromisso global de encerrar a pandemia de Aids até 2030 passa pelo combate às desigualdades e estigmas que acompanham essa emergência de saúde pública desde o surgimento, há 41 anos, destaca o relatório Desigualdades Perigosas. O estudo divulgado esta semana pelo Programa das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids), marca o Dia Mundial de Luta Contra a Aids, celebrado hoje (1°).

De acordo com especialistas e ativistas, mesmo com o avanço dos medicamentos disponíveis, a discriminação contra grupos vulneráveis e pessoas que vivem com HIV reduz o acesso à saúde, impede o diagnóstico precoce e causa mortes por Aids que poderiam ser evitadas com tratamento.

Em mensagem divulgada para marcar a data de combate à doença, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, alertou que o mundo ainda está distante de eliminar a Aids até 2030 e afirmou que as desigualdades perpetuam a pandemia da doença.

São necessárias melhores legislações e a implantação de políticas e práticas voltadas para eliminar o estigma e a discriminação que afetam as pessoas que vivem com HIV, sobretudo aquelas em situação de vulnerabilidade. Todas as pessoas têm o direito de ser respeitadas e incluídas.

Conforme o Unaids, 38,4 milhões de pessoas viviam com HIV em todo o mundo em 2021. No Brasil, o número de pessoas vivendo com HIV passava de 900 mil no ano passado, de acordo com o Ministério da Saúde. E desse total, cerca de 77% tratavam a infecção com antiretrovirais.

Assim, a efetividade do tratamento disponível gratuitamente no país é reiterada pelo percentual de 94% de pessoas com carga viral indetectável entre as que fazem uso dos medicamentos contra o HIV. Dessa forma, quando o paciente em tratamento atinge esse nível de carga viral, ele deixa de transmitir o HIV em relações sexuais.

Desde o início da pandemia de Aids, em 1980, até dezembro de 2020, o Brasil já teve mais de 1 milhão de casos da doença, que causaram 360 mil mortes. A taxa de detecção vem caindo desde 2012 no Brasil, quando houve 22 casos para cada 100 mil habitantes. Em 2020, essa proporção havia chegado a 14,1 por 100 mil, o que também pode estar relacionado à subnotificação causada pela pandemia de covid-19.

Questões sociais

O coordenador do Grupo Pela Vidda-RJ, Márcio Villard, avalia que o combate terapêutico à Aids avançou mais do que a superação dos preconceitos que afetam as pessoas que vivem com HIV. Mesmo com medicamentos menos tóxicos e uma expectativa de vida maior, questões sociais ainda afastam pessoas com HIV de uma vida plena.

“Quando a gente fala em qualidade de vida, não pode entender somente a questão terapêutica e biomédica. É preciso também entender as questões sociais que envolvem a pessoa com HIV, porque enfrentamos ainda muitos problemas relacionados a estigmas, preconceitos e exclusão social que interferem na qualidade de vida”.

O que acontece é que o HIV sempre traz consigo uma condenação. De alguma forma, a sociedade vai te condenar, seja pelo estilo de vida, seja pela orientação sexual, seja por você pertencer a um determinado grupo da sociedade. Praticamente ninguém escapa, até uma criança que nasce com HIV vai ser estigmatizada por isso. Infelizmente, esse cenário não mudou.

O ativista explica que a estigmatização das pessoas com HIV tem raízes ligadas à LGBTfobia, já que os primeiros surtos de HIV se deram na população homossexual, bissexual e transexual nos Estados Unidos, e a imprensa da década de 80 reforçou a associação entre a população LGBT e o HIV, chamando a aids até mesmo de câncer gay.

“Isso começou nos Estados Unidos, se espalhou pelo mundo e acabou virando um selo. Aqui no Brasil, até o ano passado, homossexuais não podiam doar sangue, independentemente de ter ou não o vírus”.

A maior dificuldade ainda é a questão do estigma. Quando a pessoa tem esse diagnóstico, ela tem dificuldade de lidar com ele. E, ao se colocar para a família, no trabalho e para os amigos, vai enfrentar discriminação. São raros os casos em que a pessoa consegue viver tranquilamente, independentemente da sorologia.

Angústia e cura

A dificuldade de encontrar informação e acolhimento depois do diagnóstico foi o que moveu o influenciador João Geraldo Netto a compartilhar a própria experiência na internet desde 2008.

“Inicialmente, eu falava de uma maneira mais oculta, não falava especificamente que eu vivia com o vírus. Mas aí eu senti a necessidade de falar sobre isso mais abertamente. Eu descobri que, falando, eu me curava de certa forma. Sentia algo muito positivo quando falava sobre os dramas, os medos que eu tinha de fazer tratamento, de morrer, de adoecer. E eu vi que aquilo era muito bem recebido. Isso foi me dando força”.

O jornalista acrescenta que a maioria das pessoas que entram em contato nas redes sociais está angustiada. Isso porque essas pessoas acreditam que se expuseram ao risco de infecção ou porque já receberam o diagnóstico e estão tentando lidar com ele.

Além disso, João Geraldo acredita que o peso social do HIV afasta as pessoas do teste e do diagnóstico precoce. Isso porque muitas não se percebem parte de um suposto grupo social que poderia ser infectado e outras preferem não saber o resultado do teste por medo.

A questão do preconceito é algo tão forte que atrapalha de fazer o teste, de procurar ajuda e tratamento e impede que a pessoa tome o medicamento todo dia. Então, o grande problema do HIV hoje não é mais um problema clínico, é um problema social.

“As pessoas que chegam ao meu canal mais angustiadas são aquelas que passaram por situação que consideram moralmente errada e acreditam que é uma punição para elas. E a pior punição que elas conseguem imaginar é uma doença como a Aids. Então, isso é muito doloroso, sabe? Porque você vê que está conversando com uma pessoa que acha que a pior coisa que pode acontecer na vida é o que você tem”.

Por fim, em um dos perfis, chamado Superindetectável, ele deixa a seguinte mensagem: “Respira fundo! Pela frente ainda tem muito mundo. Agora pode não estar, mas tudo pode ficar bem”.

(*Com informações de Agência Brasil)

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