22/08/2023

Minutos para destruir, anos para construir

Escrever sobre política em um momento onde o que se está em jogo é a sobrevivência de pessoas pode parecer um luxo, uma perfumaria desnecessária. Mas não é, afinal aquela máxima européia, bastante utilizada durante as guerras mundiais e algumas tragédias, continua muito viva, a saber: ‘minutos para destruir, anos para construir’. A responsabilidade pública é hoje o que mais se quer, senão o ideal , ao menos algo que possamos sentir por parte de nossos governantes uma grande disposição em atingir o razoável. O cidadão, em desvantagem e dependente de decisões corretas e de cuidados especiais vê seu impulso político em um grande dilema. Qual ? Sabe o que fazer e do que desistir, mas embora sabendo o que fazer e o que evitar, lamenta a falta de algo concreto e confiável que possa compreender o atual estado das coisas, e a partir daí, conduzir a vida pública (a vida de todos) como se acredita que deve ser conduzido. É como se fizessem aquela pergunta inspirada em Sartre: devemos acreditar que os novos e os velhos nomes que se inscrevem no concurso da vida pública vão zelar pela vida coletiva ou continuarão sendo negligentes e pouco cuidadosos com a vida de todos ?

Tenho a impressão que o que nos falta não é o sentimento de indignação (resistência) nem o conhecimento (esclarecimento), mas pontes estáveis ou estruturas minimamente confiáveis que possam colaborar nesta transição importante e necessária que é recuperar a consciência e corrigir o que foi desviado daquilo que é legitimamente interesse público.

Muitos reclamam da supremacia do Estado sobre a sociedade e sobre as pessoas, relembrando aquela famosa frase de Pascal: ‘excesso de luz, escurece’. Por outro lado, é sempre bom lembrar que Estado de menos ou invisível, também é prejudicial. Sejamos razoáveis, ainda dependemos de bons dirigentes e de pessoas altruístas que, durante um período de sua trajetória profissional, colocam-se à disposição para ajudar muitos ou a maioria. Mas está tão difícil clarificar isto que até mesmos aqueles homens e aquelas mulheres que tem este perfil são normalmente confundidos com os comuns, com os ordinários.

Diante de tudo isso, nossa ação política está em mutação, em construção e as redes sociais exibem exatamente este ambiente de instabilidade. Um grande laboratório.

 

O pensador Z. Bauman, especialista em tentar compreender o sentido da política no tempo presente nos brindou recentemente com um capítulo que traz o seguinte título: "A indignação e os grupamentos políticos ao estilo enxame". Nele, Bauman, faz-nos um alerta sobre o espaço da ação política com a afirmativa de que este espaço não pode ser confinado ao uso de facebook ou do twitter, pois segundo ele, é muito fácil desconectar o que simulava estar engajado. De certa forma, é cômodo e light ficar em comentário on-line seja para destruir ou para construir no campo da política.

É algo que precisa ser melhor observado. De qualquer forma, temos claro que isto só está acontecendo em razão da crescente brecha entre governantes e governados. É fato que este hiato, uma espécie de distanciamento, está em crescente, podendo ser revertido. O que preocupa Z. Bauman é que a questão passional ( temporária ), para não usar a expressão que os filósofos não gostam , paixão, pode se extinguir muito depressa, como um sopro. Bauman afirma que não se pode construir uma sociedade alternativa apenas no quesito da paixão e da vontade, é preciso mais. Diria que precisamos aqui lembrar a frase de Sartre: ‘há momentos que precisamos sujar as mãos’, sugerindo que, dependendo das circunstâncias precisamos escolher o lado que entendermos ser o menos nocivo e seguir adiante, assumindo posições claras e definidas. O momento que presenciamos no Estado do Paraná e a fúria da natureza indomável exige mais que participação nas redes sociais e solidariedade à distância e, é por esta razão que a ação mediada apenas pela internet só pode obter a substituição da não política por uma ilusão de política, pois nenhuma explosão popular estimulada pela internet conseguiu resolver e retirar os motivos da insatisfação e do desespero das pessoas. Felizmente, vi muitos governos municipais gastando energia boa em ajudar a todos. Guarapuava fez o dever de casa. É neste momento que se mede o nível de responsabilidade pública. Alguns mais preparados, outros nem tanto. Além da determinação da esfera pública, o voluntarismo de homens e mulheres de bem é algo que impressiona.

Teoricamente, enquanto discurso, enquanto tipo ideal, as redes sociais teriam potencialidade para articular mentes, envolver pessoas, criar significados e , em alguns casos , contestar o poder. Mas está cada vez mais claro que apenas a indignação é insuficiente para boas práticas. Ela é estimulante, mas precisa de uma parceria sólida com o engajamento, com o fazer certo no tempo certo com as pessoas certas. Vamos em frente !

 

Cristina Esteche

Jornalista

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