A força-tarefa Lava Jato do Ministério Público Federal do Paraná (MP-PR) denunciou nesta quarta feira (5), 11 pessoas pelos crimes de corrupção (ativa e passiva) e lavagem de dinheiro. As provas que embasam a acusação revelaram o pagamento de propinas pela Odebrecht para obter favores ilegais relacionados à Parceria Público Privada (PPP) para exploração e duplicação da PR-323, entre os municípios de Francisco Alves e Maringá, durante o ano de 2014, cujo valor era de R$ 7,2 bilhões.
Entre os denunciados estão o empresário Jorge Theodócio Atherino, apontado como “operador” (intermediário que gerenciava as propinas) do ex-governador Beto Richa, e o ex-chefe de gabinete deste último, Deonilson Roldo; além de Adolpho Julio da Silva Mello Neto, Benedicto Barbosa da Silva Junior, Fernando Migliacchio da Silva, Luciano Riberiro Pizzatto, Luiz Antônio Bueno Junior, Luiz Eduardo Soares, Maria Lucia Tavares, Olívio Rodrigues Junior e Álvaro José Galliez Novis.
FATOS APURADOS
De acordo com a denúncia, no final de janeiro de 2014, executivos da Odebrecht procuraram o então chefe de gabinete do governador Beto Richa, Deonilson Roldo, e solicitaram apoio para afastar eventuais concorrentes interessados na licitação da PPP para exploração e duplicação da PR-323. Após uma primeira reunião Roldo voltou a se encontrar com executivos da empreiteira, informando que daria a ajuda ilegal solicitada pela companhia na licitação, mas para isso contava com a ajuda da empresa na campanha do governador daquele ano de 2014. Desta maneira, ele solicitou vantagens indevidas com o pretexto de que supostamente seriam usadas em campanha.
Em seguida, em 14 de fevereiro de 2014, Deonilson Roldo teve uma terceira reunião com os executivos da Odebrecht. Nesse encontro, o então chefe de gabinete do ex-governador afirmou que tinha procurado as empresas CCR e Viapar, que indicaram que não participariam da licitação. Informou, ainda, que o Grupo Bertin tinha interesse na concorrência por intermédio da empresa Contern.
Em razão do interesse da Contern, em 24 de fevereiro de 2014, Deonilson Roldo chamou o executivo dessa empresa, Pedro Rache, para uma conversa no Palácio Iguaçu. No encontro, gravado pelo último e transcrito na denúncia, o ex-chefe de gabinete do ex-governador informou ao empresário que tinha “compromissos” com a Odebrecht e solicitou ostensivamente que a empresa Contern se afastasse do certame licitatório para obtenção do contrato da PR-323. No mesmo diálogo, Deonilson Roldo, de forma direta, vinculou a desistência da licitação a interesses do Grupo Bertin, que controlava a Contern, na Copel, empresa de energia elétrica do Estado do Paraná.
Após diversos adiamentos dos prazos de entrega das propostas, finalmente, em 25 de março de 2014, o Consórcio Rota Das Fronteiras, composto pela Odebrecht, Tucumann, Gel e America, foi o único a fazer proposta na licitação, sagrando-se vencedor da concorrência pública para a concessão patrocinada do corredor da PR-323. O contrato foi assinado em 5 de setembro de 2014.
Depois de a Odebrecht vencer a licitação, em meados de julho de 2014, o empresário Jorge Atherino compareceu ao escritório da Odebrecht em Curitiba para cobrar as propinas ajustadas nos encontros com Deonilson Roldo. Diante do contato de Atherino, o diretor-superintendente da Odebrecht para a região Sul e São Paulo requereu a utilização do Setor de Operações Estruturadas da companhia – responsável por pagamentos ilícitos – para realizar pagamento de subornos em favor de agentes públicos do Estado do Paraná. Foi aprovado o pagamento ilícito de R$ 4 milhões, e Jorge Atherino informou os endereços em que deveriam ser entregues os valores.
Após perícia da Polícia Federal nos sistemas Drousys e MyWebDay do Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, foram identificados registros de cinco pagamentos das propinas que foram estabelecidas na forma descrita acima, que totalizaram R$ 3.500.000,00, entre os meses de setembro a outubro de 2014. Os endereços de entrega eram no município de São Paulo, em condomínio relacionado à sogra de Jorge Atherino.
Na denúncia o MPF destacou provas colhidas na investigação que demonstram que, embora os valores tenham sido solicitados como se fossem “ajuda da campanha”, o dinheiro foi usado como contrapartida da venda da função pública e para o enriquecimento pessoal dos agentes públicos. Dentre estes estava o próprio Deonilson Roldo, que entre os meses de setembro e outubro de 2014 depositou R$ 90 mil em espécie, de forma fracionada, em conta correntes que controlava.
ESQUEMA POLÍTICO
O MPF requereu, na denúncia, a continuidade das investigações para apurar a participação de outros envolvidos. A presente denúncia é mais um dos vários desdobramentos da colaboração da Odebrecht, que implicou agentes públicos de diversos estados e permitiu o início e avanço de inúmeras investigações por corrupção, assim como a recuperação de vultosos recursos desviados. Tal colaboração contribuiu ainda para evidenciar o esquema investigado na operação. O esquema revelado na Lava Jato é um esquema político-partidário em que diversos partidos e políticos colocaram em posições importantes no governo pessoas incumbidas de arrecadar propinas. Tais pessoas usaram seus cargos e o poder de decisão para fraudar licitações e praticar outros atos em benefício de empresas que concordaram em pagar propinas em troca de lucros extraordinários. As propinas foram usadas para enriquecimento ilícito dos envolvidos e financiamento de campanhas eleitorais. A expansão da Lava Jato para apurar corrupção em diversos governos estaduais, como do Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná, deve ser compreendida nesse contexto.
ARQUIVAMENTO
A investigação em relação a estes fatos tramitava no Superior Tribunal de Justiça desde 2016 pelo fato de Beto Richa então ocupar o cargo de governado do Estado, possuindo foro privilegiado. Com a renúncia ao cargo de governador, os autos foram inicialmente remetidos para o juiz Sergio Moro, por conexão com as apurações do caso Odebrecht.
A defesa do ex-governador recorreu contra a decisão e o próprio STJ decidiu remeter o caso para a Justiça Eleitoral. O juízo eleitoral, em seguida, devolveu a investigação à 13ª Vara Federal de Curitiba, argumentando em síntese que “”eventual conexão entre crimes comuns e crimes eleitorais não mais importa unidade de processo e julgamento perante a Justiça Eleitoral”. Inconformada, a defesa recorreu ao TRE argumentando que a decisão plenária do STJ determinou que a investigação se processasse exclusivamente no juízo eleitoral. No TRE, o desembargador Luiz Fernando Penteado concedeu a medida liminar para manter a investigação sob jurisdição da 177ª Zona Eleitoral de Curitiba, sob o argumento que a decisão unânime do STJ determinou que a investigação dos fatos tramitasse exclusivamente no juízo eleitoral até a conclusão das apurações.
Ao final, as investigações do crime eleitoral prosseguiram e foram arquivadas perante a Justiça Eleitoral pelo Ministério Público Eleitoral sob o argumento de que havia evidências do crime de corrupção e lavagem de dinheiro transnacional, o que caracterizaria competência da Justiça Federal para processar os fatos. Dessa forma, devolveu os autos à 13ª Vara Federal de Curitiba.
Inconformada, a defesa novamente recorreu à própria Justiça Eleitoral e duas vezes ao STJ tentando reverter a remessa para 13ª Vara Federal de Curitiba, sem sucesso. A sequência de eventos mostra como a remessa de feitos para a Justiça Eleitoral tem sido buscada por investigados como uma estratégia para impedir ou postergar a responsabilização dos investigados pelo crime de corrupção, por meio de acusações como aquela ora oferecida.
Após quatro anos de investigação, foram reunidos indícios fortes de que pagamentos feitos pelas empreiteiras, em geral, constituíram propinas, com poucas ressalvas. As propinas eram usadas para enriquecimento dos envolvidos e financiamento de campanhas eleitorais, o que se constatou em inúmeros casos já julgados na Lava Jato. Não se pode confundir a questão relativa à origem ou causa do pagamento (que envolve possível prática da corrupção) como o destino do pagamento (que pode ser o enriquecimento pessoal dos envolvidos, o caixa 1 ou o caixa 2 eleitoral).
Nessas situações, remeter os casos para a Justiça Eleitoral significa ignorar a realidade dos fatos e do esquema evidenciado. Havendo suspeitas de corrupção, a toda evidência, e seguindo a jurisprudência consolidada na Lava Jato, deve-se remeter o feito à Justiça Federal, razão pela qual acertaram a promotora e a Juíza eleitorais.
No entendimento da força-tarefa do caso Lava Jato, sob pena de se descumprirem precedentes, ignorar a realidade e prejudicar as investigações, cumpre remeter os casos para a Justiça Eleitoral apenas quando não for possível comprovar a prática de corrupção, restando a investigação de eventual crime eleitoral tipificado no art. 350 do Código Eleitoral, quando for o caso.