22/08/2023



Guarapuava Segurança

Mulher revela os bastidores de um casamento de agressões

"Chegou a dizer que não fazia sexo com a amante, fazia amor com ela"

violencia

Mulheres sejam fortes, se amem, não fiquem aguentando os maus tratos dos seus companheiros. Não é fácil, não tive apoio da justiça, mas tive forças em Deus para largar antes que acontecesse algo pior.

(Foto: Divulgação)

O desabafo é de uma mulher de 43 anos, que como centenas ou milhares de outras, conseguiu sobreviver à violência doméstica, às agressões física e psicológica, e a traição. Liberta de um casamento que a tornou prisioneira dentro da própria casa, Lúcia – como a chamaremos aqui por questões de segurança – decidiu falar ao Portal RSN a experiência de um casamento que durou 12 anos, dos quais 11 foram de traição e agressão.

“Foram 12 anos casada. No segundo ano de casamento, quando minha filha tinha um ano, descobri a amante dele. Consegui me separar quando minha filha completou três anos. Faz sete anos que estou separada. Quando descobri eu queria me separar, mas ele disse que me amava e iria mudar”.

Mas não mudou. Foram 11 anos de luta, lágrimas e muitas vezes desespero. De acordo com nossa entrevistada, o ex-marido é policial militar e treinava todos os dias em uma academia de Guarapuava.

(Foto: Reprodução/Pixabay)

“Um dia ele me apresentou uma moça que trabalhava de recepcionista lá na academia. Ela era esposa de um conhecido dele. Ele fez a gente ficar amigas, algumas vezes jantávamos em casais, tomávamos chimarrão juntos. Mas quando ela convidava pra irmos na casa deles, ela mandava mensagem para meu marido e não pra mim. Até cheguei a falar pra ele, que ali tinha coisa. Ele falava que era coisa da minha cabeça”.

O tempo foi passando. Lúcia ficou grávida e teve uma filha. Ela conta que a ‘amiga’ mandava roupas da menina dela – dois meses mais nova – para que Lúcia usasse na filha. A certeza de que algo estava errado nessa relação de amizade veio com o internamento da filha com apenas um mês de vida.

Minha filha ficou internada, e ele [marido] estava viajando. Me disse que foi fazer um curso em Curitiba, mas perguntei para os colegas de trabalho dele, ninguém sabia do curso. Quando retornou, foi ao hospital com a mulher – a amante. Ali tive certeza que ele estava me traindo.

Lúcia contou que o marido nunca dava nada para ela, e que achou estranho o que aconteceu em um sábado, quando o marido deu dinheiro para ela comprar uma sandália e ainda disse que ela poderia ficar com o carro, já que ele iria jogar futebol, mas pegaria uma carona. “A amante veio em minha casa buscá-lo para ir pro motel”.

A confirmação não demorou. De acordo com ela, quando o marido chegou em casa da partida de futebol, ele estava limpo. “Perguntei: não jogou bola?” E ele respondeu: “Não joguei, fiquei de reserva”.

Mas na segunda feira, a casa caiu. O marido da ‘amiga’ pegou as mensagens do encontro da mulher no celular. “A partir desse dia, desabou tudo, e minha vida virou um inferno”.

(Foto: Reprodução/Pixabay)

Segundo Lúcia, o marido pediu perdão, disse que a amava e que não queria sair de casa. Mas além da traição, maltratava a mulher dentro de casa e continuava com a amante.

Ele saiu de casa, ficou algum tempo fora e pediu pra voltar. Acabei cedendo por minha filha, não queria que ela ficasse sem o pai. Foi a pior coisa que fiz, ele me tratava muito mal, me chamava de fedida, pra eu sair de perto dele, aquilo acabava comigo. Chegou a dizer que não fazia sexo com a amante, fazia amor com ela.

Afirmações como essa destruíam a dignidade e a autoestima de Lúcia, dia após dia. “Escutar isso acabou comigo”, desabafou. “São palavras que nunca mais esqueci e mesmo assim não conseguia largar dele, não sei se era medo dele fazer alguma coisa comigo, não consigo entender porque eu aguentava tudo”.

O sofrimento estava longe de acabar. Um dia Lúcia foi buscar a filha na casa de uma amiga. Ao chegar em casa encontrou o marido dormindo com o celular. Sem que percebesse, leu as mensagens dos dois marcando encontro. Ela chamou o marido, que ao acordar pulou em cima dela para tomar o celular.

“Me machucou, me apertava tanto que quebrou o celular na minha mão, sai correndo pra ele não me machucar mais, e ele correu atrás. Depois disso eu fui para a delegacia registrar mais um boletim de ocorrência”.

Era o terceiro boletim registrado contra ele. Os outros dois eram por ameaça. Mesmo assim, o homem continuava em casa. Lúcia não conseguia se separar dele. Ao fazer o último boletim, ela pediu para representar contra o marido, e fez o registro como Maria da Penha.

(Foto: Reprodução/Pixabay)

Contei pra ele do boletim e pedi pra ele sair de casa. Ele disse que se eu tinha feito o boletim, era porque eu não amava ele. E voltou a dizer que não ia sair de casa.

A gota d’água para que Lúcia colocasse o marido para fora veio da própria família dele. O sogro a procurou. “Ele falou pra eu largar dele [marido] e fazer ele sair da casa, pois ele não iria mudar”.

Prova disso era que ele [marido] tinha procurado o pai porque queria levar a filha que tinha com a amante na casa do pai. O relacionamento já durava cerca de oito anos. Mais uma vez, Lúcia ficou destruída tamanha a monstruosidade e frieza em saber que o homem que um dia fez juras de amor, forçou – sem que ela soubesse – a relação de amizade da mulher com a amante, com quem ele já tinha uma filha.

Ao voltar para casa, Lúcia falou para o marido o que havia ouvido do sogro e disse que se ele não saísse de casa, chamaria a polícia. Antes de sair ele confirmou que fazia oito anos que tinha um caso com a mulher.

(Foto: Reprodução/Pixabay)

Essa história aconteceu há sete anos. E desde então, Lúcia conta que nunca tinha exposto publicamente a própria história e também afirmou que nunca teve um retorno da justiça.

Meu ex-marido é policial, me agrediu, fiz boletim de ocorrência, entrei judicialmente, mas ficou por isso mesmo. Não sei se este processo parou no batalhão pra não prejudicar ele no trabalho. Só sei que sofri muito com tudo o que ele fez, com ameaças, agressões físicas e verbais. Graças a Deus tenho melhorado a cada dia, mas as palavras me machucaram muito. É uma ferida que vai ficar pro resto da minha vida.

A violência contra as mulheres não é um crime da vida moderna. Sempre existiu, mas pouco era enfrentado e divulgado. Com o passar dos anos, os casos – inclusive os feminicídios – ganharam atenção dos órgãos públicos e da sociedade. E precisam ser denunciados.

“Graças a Deus não aconteceu algo pior comigo. Não merecemos isso. Eu demorei mas consegui me salvar”.

Gilson Boschiero

Jornalista

Possui graduação em Jornalismo, pela Universidade Metodista de Piracicaba (1996). Mestre em Geografia pela Unicentro/PR. Tem experiência de 28 anos na área de Comunicação, com ênfase em telejornalismo e edição. Foi repórter, editor e apresentador de telejornais da TV Cultura, CNT, TV Gazeta/SP, SBT/SP, BandNews, Rede Amazônica, TV Diário, TV Vanguarda e RPC. De 2015 a 2018 foi professor colaborador do Departamento de Comunicação Social da Unicentro - Universidade do Centro-Oeste do Paraná. Em fevereiro de 2019, passou a ser o editor chefe do Portal RSN.

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