22/08/2023

Na rua do prefeito, o asfalto é bão, mintendi?

Dá gosto de circular pela rua Dr Laranjeiras, entre a Azevedo Portugal e a Benjamin Constant, em Guarapuava. O asfalto é bão demais e o carro praticamente praticamente flutua, silencioso, já que solavancos por ali, nem pensar. Não muito distante, crianças circulam sossegadamente, entrando e saindo de uma escola que há nas cercanias. Para elas, a Dr Laranjeiras bem pavimentada é uma como uma garantia de que, ao atravessar a rua, não vão torcer o pé, por exemplo. A dois quilômetros dali, crianças que caminham pela 17 de Julho, entre a Jesuíno Marcondes e a Bernardo José de Lacerda, não tem o mesmo sossego – os buracos na rua são tantos que nem pulando o tempo todo é possível evitar completamente as banguelas do asfalto.
Sortudos, portanto, são os estudantes da Dr Laranjeiras. Coincidência ou não, é por ali que mora o prefeito de Guarapuava e, claro, o chefe do Executivo local não deve gostar de, ao sair de casa todas as manhãs, ver diante de si buracos na sua. Então, manda que a conservem direitinho. Na outra ponta da cidade, no bairro Santa Cruz, os estudantes bem que poderiam atravessar a pista cantarolando uma musiquinha da minha infância, que diz algo como ´se esta rua / se esta rua fosse minha / eu mandava, eu mandava ladrilhar…´.
É pena que só cantarolar não resolva as mazelas da cidade. Entro no site da Prefeitura e leio que a rua Comendador Norberto foi recapeada por estes dias, para proporcionar maior segurança e qualidade de vida, segundo consta no portal. Até onde lembro, a Comendador não estava esburacada no trecho recuperado. Daí, resolvo cruzar ali e, ao sair da Jesuíno e entrar na Comendador, vejo no meio da quadra dois agentes da Guaratran, com um radar móvel. Escorados em um Escort placas AFF 9655, sem identificação de que fosse da Guaratran, os dois ficam olhando de soslaio quem passa de carro, na esperança de pegar alguém no flagra, acima da velocidade permitida para o trecho.
Como que não acreditando no que vejo (já que, poucos metros adiante, há um radar fixo), dou a volta na quadra e passo de novo por eles: sim, confirmo mentalmente, são dois agentes de trânsito que, em vez de ir até a rua 17 de Julho ajudar as crianças a atravessar a pista banguela, ficam postados tomando Sol na cabeça. Enquanto vou para o Centro da cidade, dou-me conta de que a Comendador deve ter sido recapeada apenas para o bem estar da dupla. E ainda fico a me perguntar por qual razão colocaram dois agentes (e não apenas um) naquele ponto e, mais, qual é o motivo mesmo de deixar um radar móvel tão perto do fixo, como uma espécie de vigilância redundante?
É, creio que não está nada fácil mesmo circular calmamente pela cidade, exceto se for pela Dr Laranjeiras. Pensando bem, neste domingo, acho que sairei de casa, passarei pela Comendador Norberto (para me sentir seguro e com melhor qualidade de vida) e irei até a Lagoa das Lágrimas, levando meu filho de quatro anos para mais um passeio no pedalinho. Lá vamos nós: eu, o Gabriel, a minha vã esperança de ver a Guaratran cuidando do trânsito na Lagoa e, sonho maior, a vontade de poder circular pelo gramado do lugar sem ver dezenas de adolescentes bebendo vodca e fumando crack em plena tarde, como se fosse o acontecimento mais natural do dia, tanto quanto pagar impostos e não ver as vias urbanas bem cuidadas. Exceto a Dr Laranjeiras, a rua da casa do prefeito.

* Morador de Guarapuava. E-mail: marciorf@globo.com

Cristina Esteche

Jornalista

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