Durante o dia eles perambulam por alguns pontos da cidade, de alguma forma, em busca da sobrevivência. Se reúnem entre si e são solidários uns com os outros. À noite, a partir das 22h, vão para as “casas”, que podem ser um posto abandonado; debaixo de marquises; ou qualquer outro espaço que seja e que lhes sirva como abrigo. São homens e mulheres que deixaram suas casas – muitos expulsos pela família – e que encontraram, nas ruas, o lugar de ninguém.
Dar um pouco de atenção às pessoas que vivem em situação de rua, é descobrir, por trás de cada rosto, uma história que comove. São seres humanos, como você, como seus pais, como seus filhos. Em Guarapuava, esse universo soma, atualmente, cerca de 30 pessoas que noturnamente recebem comida do projeto Vidas por Vidas, um movimento solidário que reúne aproximadamente de 200 voluntários.
Rodrigo, Mancha e Scheila, Idalina, Alessandro e outros, desde a noite estão passando menos frio. A arrecadação de agasalhos e cobertores promovida pelo Portal RSN em parceria com a página Humanos de Guarapuava foi entregue na noite dessa segunda feira (25). Foram mais de 100 peças recebidas na campanha, que começou no início de junho.
Na rua Saldanha Marinho, esquina com a Avenida Moacir Silvestri, no posto de combustível desativado, um sofá, e “camas” improvisadas são o “lar” de sete pessoas. Ali encontramos o casal Mancha e Scheila que vivem maritalmente há 11 anos.
“Vamos fazer esse tempo no dia 11 de setembro, se nada acontecer até lá”, diz Mancha, enquanto Scheila dorme tranquilamente, tendo aos seus pés e bem cobertos, oito filhotes de cães recém-nascidos. A mãe dos filhotes descansa aos pés de Scheila. Brigas com a família, alcoolismo e consumo de outras drogas empurraram os dois para a rua. “Só Jesus e Deus são nossos amigos. O resto é balela”, diz Mancha.
Encolhida num canto, estava Idalina Aparecida Furquim, uma menina loira que, embora diga ter 18 anos de idade, aparente possuir bem menos. Ela está há dois meses na rua, após uma – em suas palavras – “tentação” de homicídio. “Eu tentei matar uma pessoa da minha família, mas não quero falar nisso. Morava na Vila Planalto, mas agora a minha casa é a rua”, diz.
Enquanto alguns se calam, Alessandro Albino diz que possui emprego e que tem mulher e dois filhos. “Eu venho aqui desafogar a mágoa pela saudade que sinto do meu filho, com outro casamento. A mulher foi embora e levou o meu piá junto. Faz 11 anos que não o vejo e quando a saudade aperta largo tudo e venho tomar uns goles”, diz, sem ter vergonha de esconder as lágrimas que rolam pela face. “Trabalho no Dodge, no Turvo. Já quiseram me internar, mas só vou largar de beber no dia em que ver o meu filho. Eu bebo de nervoso. Me ajudem a encontrar o meu filho”, pede.
Os pontos onde os moradores de rua vivem são muitos e em diversas regiões da cidade. O avanço de um quiosque de sorvete, na Lagoa das Lágrimas, foi o local escolhido por Rodrigo e seus três amigos: “Este aqui é o Campeiro, o outro é o Urso e este é o Pingo de Vento”, diz ao apresentar seus cães.
Rodrigo é um personagem popular conhecido na cidade, por andar pelo Centro durante o dia. Ele disse que morava no Jordão e que desde que sua família “vendeu o que tinha” saiu de casa para viver pelas ruas. “Eu ando na rua desde molequinho e não quero ir pra nenhum albergue. Só queria a oportunidade de ter uma casa e trabalhar. Eu sei cuidar de jardim, fazer horta, carpir e gosto de correr para manter a minha forma física em dia”, afirmou, mexendo nas pulseiras douradas que enfeitam seus braços.
Num galho de árvore, o vento e a chuva fina na noite de ontem (25) denunciaram uma bandeirinha do Brasil colocada por Rodrigo. “Eu aposto em 1 a 0 pro Brasil contra a Servia. Vou assistir o jogo numa televisão na vitrine de uma das lojas”, diz. “Sou brasileiro”, emenda.
As pessoas mencionadas nesta reportagem, e tantas outras que preferiram permanecer no anonimato, receberam os agasalhos e outros itens de inverno doados durante a campanha, que teve em 2018 a sua segunda edição. A entrega contou com a participação de integrantes do Vidas por Vidas, que guiou a ação por conhecer, de perto, os pontos onde as pessoas em situação de rua costumam se instalar em Guarapuava.