22/08/2023

Nos postos de saúde, a banalização da vida

A banalização da vida nos postos de saúde municipais em Guarapuava é tanta ao ponto do prefeito Fernando Ribas Carli tentar justificar a morte de um idoso, por meio de uma notinha divulgada pela Assessoria de Comunicação oficial. Antonio dos Santos, 92 anos, residia em Guarapuava há apenas dois meses e desde que chegou à cidade buscava atendimento médico no posto de saúde do Recanto Feliz, sem êxito. Ele queria apenas ter acesso ao medicamento para hipertensão. De acordo com a sua esposa, dona Leonor, ele sempre retornava da unidade de saúde com as mãos vazias porque dependia de uma carteirinha, uma espécie de cadastro. E essa via-sacra do ancião durou dois meses, dos quais, os últimos 5 cinco dias ele enfrentava a madrugada na fila. Quando conseguia a ficha não havia médico, até que na manhã de hoje, quarta-feira, o médico apareceu, mas para assinar o atestado de óbito.

Na nota divulgada pela assessoria a Secretaria Municipal de Saúde diz que há uma normativa determinando que pessoas com idade superior  a 70 anos não precisa de fichas para consultas. O pobre homem morreu sem saber disso. Ora, se a normativa existe por que as funcionárias do posto de saúde não comunicaram o fato ao senhor e não o acudiram desde a primeira vez que ele foi ao posto? Ou será que a Secretaria de Saúde não orienta os seus funcionários? 

A nota também tenta isentar a responsabilidade da Prefeitura ao dizer que o senhor era de Boa Ventura de São Roque, que morava na cidade há dois meses e que não havia cadastro seu no postinho. É claro que não existe  procedimento registrado, pois o homem sequer foi atendido uma única vez.

Aliás, o ato que lembra o bíblico Pôncio Pilatos que ao  lavar as mãos se eximiu de qualquer responsabilidade sobre a execução de Jesus Cristo, é uma prática comum da Prefeitura perante tragédias ocorridas em locais públicos. Assim foi na  morte do jogador do Cad, Robson, que morreu após uma lasca do piso da quadra do Ginásio de Esportes Joaquim Prestes ter perfurado o seu corpo.  Na ocasião, por uma notinha da Assessoria de Comunicação Carli se limitou a lamentar o fato e a prestar condolências à família. Agora o ato se repete, só que numa nota fria sem o minimo de solidariedade à viúva, uma senhora que fica com filhos e netos deficientes.

Aliás, a solidariedade esteve ausente desde o início do caso. Nenhuma enfermeira, nenhum funcionário do postinho foi amparar a família, ver se precisavam de algo. E eles precisavam de tudo. Eu e minha filha Luana prestamos todo o atendimento necessário, levando familiares a buscar a filha da vítima no Jardim das Américas. Sequer o endereço eles sabiam. O acompanhamos ao IML e  os colocamos nas mãos de pessoas sensíveis com espírito humanitário que providenciram o restante até o translado do corpo a Boa Ventura de São Roque.

Se utilizar de número e de depoimentos frios em programas de televisão para propagar que Guarapuava possui uma das melhores do saúde do Brasil é simples. Duro mesmo é sair às ruas, ir até o onde o povo sofre diariamente enfrentando o frio da madrugada para pegar fichas e ainda receber a resposta de que não existe médico. Duro é ter que olhar nos olhos desesperados de familiares que veem um membro da sua família ali, estendido no chão, porque não foi atendido. Essa atitude não é para qualquer um. É somente característica dos gestores comprometidos com a população. De  quem abre os braços para acolher  quem está desesperado,   mas antes de tudo, de quem honra com os compromissos assumidos durante a campanha eleitoral.

Cristina Esteche

Jornalista

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