22/08/2023

Nosso espelho

Ultimamente tenho constatado. Primeira constatação: “carecemos de um divã”. Mesmo não vivendo na Áustria, terra da psicanálise, precisamos ‘escutar’ nosso interior em uma espécie de auto-questionamento e revisão. Não é olhando apenas o presente e os fatos visíveis ou perceptíveis que nos compreenderemos bem. É preciso mais. Em nosso substrato há de tudo e não chegamos neste atual estágio por acaso.

Se não temos divã ou uma razoável qualidade de consciência em si, ao menos temos espelho.

O Brasil e os brasileiros, nestes dias de final de espetáculo e pós-espetáculo, de paixões e dizeres abertos, olharam-se no espelho e o que viram foi uma realidade nua e crua daquilo que pode ser visto, sem interferências ou explicações. Há coisas que ainda não vieram à baila.  Fracassamos no futebol, sem miragens ou justificativas. Ao se reconhecer em um espelho transparente, o que se viu, incomodou.  Assim, nossa seleção mundial (nossa representante legítima) foi exposta ao estilo barbeiragens e gambiarras. Desmascarada justamente quando cobrada, exigida e enfrentada por outro estilo, outra organização. Diferentemente, nossa sociedade também exposta fora dos gramados, nos encheu de orgulho ao estilo criatividade, acolhida e alegria, excetuando-se os xingamentos e vaias, seja à Presidente, seja à seleção do Chile.

Normalmente somos tentados a avalizar a frase do homem forte do nazismo, Goering, que um dia disse: ‘correto é tudo o que nos agrada’. A seleção, não só não nos agradou, mas evidenciou ao mundo nossa mazela e um edifício com base suspeita. Os alemães e os Holandeses e seus perfis de organização e planejamento nos ensinaram o que é o correto. É verdade que, apesar disto, imaginávamos que o talento individual, a vontade, a paixão descomedida ou vozes isoladas dentro de campo e vozes irmanadas nas arquibancadas, nas praças, ruas e sofás domésticos pudessem fazer a diferença. Faltou o dever de casa, o matêmico, o conteúdo.

Atribuo grande parte da culpa do excesso de decepção da sociedade, neste momento, ao mundo jornalístico. A televisão e alguns jornais, mesmo por ignorância, colaboraram com um irracionalismo perigosíssimo. Explico. Associar a honra e o orgulho nacional, única e exclusivamente, a partidas de futebol é no mínimo uma insensatez. Temos outras qualidades e defeitos; virtudes e vícios que precisam ser colocados nesta balança de juízos de valores de alguns detentores de microfones e de teclados.  

Meu colega unespiano Jean Marcel Carvalho França expressou bem: grande parte destas idiotices ‘vem de gente mal preparada que, com as melhores intenções, julgam se dirigir a outros igualmente limitados’.

Uma lição que nunca perde sua validade e sempre nos convida para a boa reflexão é que, em hipótese alguma, o passado pode ser mudado. Assim, nossas escolhas feitas, nossas ações e gestos concretos em favor desta causa ou contra outra causa está no campo do intocável. Porém, pode ser utilizado para evitar situações do presente e do amanhã. Assim, o mínimo que podemos fazer é frisar o que Goya, também um dia disse: “o sono da razão produz monstros”. Há quem diga que a razão é sempre sonolenta e como Hegel um dia registrou, tal qual a coruja, a razão só desperta para voar quando a tarde cai. A razão não é rápida e efêmera, por isso mesmo, mais confiável.

Todavia, acrescentaria que o que está em sonolência é, de fato, a memória. Sartre, já sabendo disto, gravou o seguinte dizer em um monumento histórico em Paris em alusão à Segunda Guerra Mundial: “perdoa, mas não esqueças”.  Penso que podemos fazer o mesmo. Não esquecer. Mesmo assim, há que reconhecer que problemas são problemas e todos os países os têm. Até mesmo a vitoriosa Alemanha e a eficiente Holanda costumam ter seu calcanhares de Aquiles.  Interessa resolvê-los e não apenas classificá-los. Assim, precisamos prosseguir com a determinação de quem se compreende de verdade e quer rever coisas que, por alguma razão não vingaram. Não acho que estou sozinho nisso, até porque já escrevi em outra ocasião que o que vai mal é o que falta. Não acham ?

mestreclaudio@uol.com.br

Escreve no blog www.guarapuavatube.com.br

 

Cristina Esteche

Jornalista

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