22/08/2023

O AC/DC e a Igreja do Rock & Roll – parte 3: os ingressos das crianças

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Da redação – Esta é a adaptação de um extenso artigo assinado pelo jornalista David Fricke e publicado na edição de novembro de 2008 da revista americana Rolling Stone, traduzido pela primeira vez para o português por Cleyton Lutz*. A matéria conta os bastidores dos ensaios do AC/DC para a turnê do álbum “Black Ice” ao mesmo em que traz detalhes da história da banda, uma das mais influêntes da história do Hard Rock/Heavy Metal e que esteve em São Paulo em Novembro do ano passado realizando um show espetacular. A matéria completa está dividida em seis partes e será publicada sempre aos sábados e domingos durante os três próximos finais de semana.
Tocando junta nos ensaios, a banda se parece mais com uma orquestra de câmara do que com rapazes selvagens do blues. Apenas Johnson está sentado. Isso torna mais fácil perceber as raízes do AC/DC. Os solos de Angus não são longos e desleixados, mas curtos e cortantes. Malcolm e Angus, que escrevem todas as músicas da banda, são rápidos em citar as gravações dos anos 1950 e 1960 como influências e inspiração para alguns de seus melhores riffs: “Shakin’ All Over”, de Johnny Kidd and the Pirates (“Back in Black”); Bo Diddley com “I’m a Man” e “Trouble” de Elvis Presley (“Whole Lotta Rosie”).
A ênfase dos irmãos no simples dá a impressão de ser um instinto básico. A primeira aparição do AC/DC na Rolling Stone americana foi em uma resenha sobre o álbum de estréia nos Estados Unidos, “High Voltage” (1976) e terminou desta maneira: “Estúpido. E a estupidez me ofende”. Na verdade, o AC/DC faz um som planejado. Malcolm e Angus não queriam uma música polida, enfeitada, cheio de firulas. “Quando eu era jovem e ouvi harmonias pela primeira vez, pensei ‘isso é muito bom’”, diz Angus, sarcástico. “Os BEACH BOYS sempre me lembravam as doces crianças do colégio”. Phill Rudd, 54 anos, mantém inflexível o tempo 4/4 em cada melodia da sua bateria. “Não estou reprimindo minhas habilidades”, diz o baterista de Melbourne, que toca no AC/DC desde 1974, com exceção do período entre 1983 a 1994. Cliff Williams, 58 anos, outro inglês, assim como Johnson, se juntou a banda em 1977. Ele admite que toca “a mesma coisa nas músicas a maior parte do tempo. No som do AC/DC a música é mais importante do que qualquer indivíduo”.
Angus comenta a sensação de estar em turnê. “Para mim, este é provavelmente o melhor momento, estou tocando e ensaiando. Quando estou no palco tudo passa muito rápido. Eu vou para lá e quando me dou conta já estou saindo. Logo estou de volta aos bastidores. Fiz tudo. Não sei onde minha mente esteve durante todo esse tempo”.
E diz com um largo sorriso, sobre os demais integrantes do AC/DC. “Eles não são deste planeta, isso eu posso lhe garantir”.
Pergunte de forma direta a Malcolm e Angus: “quem dirige o AC/DC?”. E você ouvirá: “nós dois”, diz Malcolm imediatamente. “Estamos aí desde o início”. Angus completa. “Temos vivido tudo, desde o início”.
“Eles são determinados em tudo o que fazem”, diz Johnson, que foi vocalista de uma banda inglesa de sucesso razoável nos anos 1970, o Geordie, que era o conjunto principal na região de Newscatle, Inglaterra, quando ele fez o teste para o AC/DC na primavera de 1980, poucas semanas depois da morte de Scott. “Tudo” diz Johnson novamente, enfaticamente. “Você não pode mudar a cabeça deles. Eu tentei. Se eu disser: ‘eu acho que não devemos fazer este show, há neve na estrada, é perigoso’, eles dizem: ‘mas as crianças já compraram os ingressos. Nós precisamos chegar até lá’. Então eu digo, ‘eu sei, podemos ir amanhã à noite’. Eles retrucam, ‘não Johnson, eles tem ingresso para esta noite’”.
Steve Barnett, co-presidente da gravadora Columbia, foi um dos empresários do AC/DC de meados dos anos 1980 até meados dos anos 1990. “Eles queriam fazer as coisas do seu próprio jeito”, diz sobre os irmãos. “Isso foi importante, eles tiveram uma idéia muito clara do caminho que queria seguir”. Os irmãos Young licenciaram suas músicas, nos Estados Unidos, para que os militares as usassem em anúncios de recrutamento. A banda também fez uma parceria com a Wal-Mart e a MTV para produzir uma edição do Rock Band dedicada ao AC/DC. Malcolm e Angus ainda se recusam a comercializar as músicas da banda em formato MP3.
George Young também ficou contra a parede enquanto ele e Vanda produziam o álbum “Blow Up Your Vídeo” (1988). Malcolm estava bebendo demais – Angus, ao contrário, é abstêmio. George diz, “eu via os sinais, Malcolm tinha um problema. Eu disse que se ele não conseguisse trabalhar em equipe, eu estava fora. Mas não me recordo de isso ter surtido efeito”. George observa que ele e seus irmãos são teimosos. “Na nossa família, se temos um problema, resolvemos entre nós mesmos. Não existem pessoas dizendo pra fazer isso ou aquilo”.
Após o término das gravações, com o AC/DC prestes a entrar em turnê pelos Estados Unidos, Malcolm repentinamente decidiu parar de beber e deixou a banda por vários meses – hoje ele ainda está sóbrio. “Não fiquei surpreso”, diz George. “Quando Malcolm coloca alguma coisa na cabeça, ele vai lá e faz”. Com Angus é a mesma coisa: ele resolveu ir adiante com os shows, com o sobrinho dos irmãos, Stevie, na guitarra. Afinal, as crianças já tinham os ingressos.
Williams acredita que Angus se sentiu a deriva sem Malcolm naquela turnê. “A ligação deles é muito profunda. Pode parecer loucura”, acrescenta ele, rindo, “mas assistindo os dois tocando, tem-se a impressão de que eles sabem o que cada um vai fazer antes das coisas acontecerem”.
* Cleyton Lutz é jornalista, fã do AC/DC e esteve no Morumbi dia 27 de novembro de 2009, acompanhando o "maior espetáculo da terra"
Foto: o AC/DC em 1979 (Rolling Stone)

Cristina Esteche

Jornalista

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