22/08/2023

O adestrador de cascavéis

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Uma das matérias que fiz e que considero muito interessante foi uma entrevista com um cidadão que apanhava cobras cascavéis e as levava para casa. Ele cuidava delas como se fossem animais de estimação. Também mantinha em casa uma criação de camundongos, que eram servidos às serpentes. Se alguma delas se machucava recebia ali mesmo os primeiros socorros.

Era uma pessoa humilde, de pouca fala e igualmente de poucos dentes. Cabeludo e barbudo e um forte cheiro de falta de banho tornavam o seu aspecto ainda mais sombrio. Era de poucos amigos e as conversas mais freqüentes ele mantinha com as cobras.

Para que eu pudesse entrevistá-lo exigi apenas que prendesse as “dentudas”. Em seu quintal, todo cercado por uma fina tela de arame, havia 26 cobras soltas.

“Não se preocupe, prendi 25”, disse ele ao me receber com uma caneca de alumínio com um líquido estranho. A caneca me chamou a atenção porque tinha dois amassados, feitos pelos seus dentes caninos. Aquela era sua caneca do dia-a-dia. Com muita educação, recusei dividir a sua bebida.

Sempre tive receio de ofídios, preferindo-os longe ou vendo-os com a proteção de um grosso vidro entre nós.

Mas voltemos às cobras do “Seu” Antenor. Numa conta simples: se ele tinha 26 serpentes e prendeu 25, onde está a vigésima sexta? Ainda estava solta e completei a entrevista com meus olhos transformados num globo luminoso, girando constantemente 360 graus. Sosseguei somente quando fechei a porta do carro para retornar à redação.

Contei esse fato para responder a uma pergunta que me fazem constantemente: como é a vida em meio a falsos amigos? É como entrevistar o amestrador de cascavéis, pois por mais que mantenha a maioria das cobras longe, tem sempre uma serpente a solta rondando meu tornozelo.

Cristina Esteche

Jornalista

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