22/08/2023
Brasil

O canto da sereia do capital

Que o mundo passa por um grande processo de reestruturação brutal não é novidade para ninguém. A vitória de Trump nos EUA, a rachadura da União Europeia e a emergência de candidaturas cada vez mais conservadoras na Europa, muito próximas de um neo-fascismo, e a ascensão de candidaturas consideradas não-políticas em grandes cidades da América do Sul atestam esta constatação.

A impressão que dá é que o sistema disfarça-se de anti-sistema para aprofundar o seu domínio e a sua capacidade de exclusão do social e da democracia. Na verdade, sem hipocrisia, o social e a democracia sempre foram o calcanhar de Aquiles do mundo sistêmico. Enfrentá-los é hoje a tarefa número 1 do Capital Internacional travestido de governos conservadores com apoio popular de uma massa pouco esclarecida que alimenta do tóxico dos meios de comunicação de massa patrocinados com o dinheiro público.  Aproveitar a janela da crise para banir de vez estes dois incômodos, a saber: o social e a democracia é o sonho de qualquer liderança empresarial/governamental conservadora.

Este grande empreendimento, gestado há muito tempo, tem encontrado cada vez mais adesão de pessoas comuns. A perplexidade é a velocidade deste fenômeno. O discurso oficial tem sido assim: "vocês não poderão acreditar nas promessas de quem ainda fala no social e na democracia e o pouco que poderão ter nestes tempos sombrios virá daqueles que querem governar como se dirige uma empresa, orientados exclusivamente pelo capital".

Não estou advogando contra o capital, mas da unilateridade do mesmo. Qualquer inteligência coletiva sabe que precisamos equilibrar econômico e social de uma forma sustentável para termos vida longa.

De fato, o veredicto é de que a democracia que temos hoje tem pouco futuro porque o pensamento hegemônico vigente, pragmático ao extremo, não quer correr nenhum risco. É por esta razão que o temor à democracia e ao social é tão grande assim e não lhes convêm. Neste cenário, o contexto político brasileiro prepara-se para 2018 ensaiando apresentar para a opinião pública um novo pacote de gestores ao estilo Dória, Luciano Hulk ou algum alienígena novo. Aceitar os resultados incertos do jogo democrático é tudo o que este governo não quer.

Por alguma razão que a sociologia política pode explicar, nosso solo brasileiro é propício para aceitar a tese alimentada pelo poder soberano de que o Estado em seu modelo clássico é o inimigo responsável por se apropriar do dinheiro dos impostos e fornecer serviços de baixa qualidade, daí a nova crença de que quem deve governar é o capital, eficiente e enxuto.  Contando com uma estrutura comunicacional fantástica chamada Rede Globo e outras mídias parceiras, tenta-se sepultar tudo o que diz respeito ao social, à democracia e à perspectiva de incluir pessoas que historicamente foram impedidas ou alijadas de participar de qualquer processo econômico.  Não há dúvida que este conto da sereia, sinônimo de retórica, tem atingindo mentes e corações de brasileiros amedrontados e fragilizados. Apesar de tudo, creio que terão muito dificuldade em barrar o processo democrático popular. Estão correndo contra o tempo. 

Cristina Esteche

Jornalista

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